Brasil

Só pressão popular fará com que mais ricos paguem mais impostos, diz João Pacífico

Segundo Pacífico, “tem todo um trabalho de marketing para enfraquecer o estado”

Único dos milionários brasileiros a assinar o manifesto Proud to Pay More (Orgulho de pagar mais), que foi entregue aos líderes mundiais que estão reunidos no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, João Paulo Pacífico se surpreendeu com a repercussão do gesto.

“Isso pra mim é tão óbvio, é questão de justiça: quem é mais rico tem que pagar proporcionalmente também mais impostos”, afirmou ele ao ICL Notícias. “Não faz o menor sentido pessoas mais pobres pagarem mais impostos proporcionais do que as pessoas mais ricas”.

Criador do grupo Gaia, Pacífico vendeu a parte de investimentos tradicionais da empresa e ficou apenas com a parte de investimentos de impacto social. Por isso, desmente as informações falsas de que teria patrimônio contabilizado em bilhões. “Isso é uma fake news, inclusive sou contra bilionários”, conta. “Estou acima da média dos brasileiros, mas reduzi muito meu patrimônio quando tomei a decisão de doar parte do valor da venda da empresa”.

Na entrevista a seguir, ele explica o seu posicionamento ao lado de Abigail Disney, herdeira da Disney, e do ator Brian Cox e fala das dificuldades para chegar ao objetivo de que os mais ricos paguem mais impostos, que, segundo acredita, só será alcançado se houver pressão popular.

Leia os principais trechos:

João Paulo Pacífico

TRIBUTAÇÃO ÀS AVESSAS

Obviamente a pessoa mais rica tem uma condição melhor de vida e vai afetar menos e ela pagar um percentual maior de impostos. No Brasil, é o contrário: as pessoas que têm mais dinheiro são as pessoas que menos pagam tributos, proporcionalmente. Pra mim é muito óbvio isso, até me espanta que tem gente que não concorde.

PRESSÃO POPULAR

Esse tipo de proposta vai andar quando a gente tiver uma pressão popular grande, porque as pessoas mais ricas vão fazer de tudo pra não pagar imposto, elas já fazem isso. A gente tinha até pouco tempo atrás um ministro da Economia que tinha dinheiro em paraíso fiscal e a gente tem até hoje um presidente do Banco Central que tem dinheiro em paraíso fiscal. Isso já diz tudo. Ninguém tem dinheiro em paraíso fiscal porque faz negócio lá, esse é um recurso para pagar menos impostos. Essa é a cultura dos brasileiros mais ricos.

Então eu acho que vai ter a meia dúzia de pessoas mais ricas que vai apoiar, mas isso daqui só vai se concretizar quando o brasileiro tiver a consciência social. Eu sou favorável que obviamente a classe média pague menos imposto e que a classe alta pague mais impostos. Então, quando as pessoas entenderem que isso pode beneficiá-las também, aí a gente consegue. Mas sabendo que a gente tem hoje um Congresso absolutamente complicado, fisiológico, vendido e que quem tem dinheiro tem eles na mão. Basta ver o agronegócio que tem uma série de subsídios pagos pelo povo brasileiro.

REAÇÃO ENTRE OS RICOS

Alguns (ricos) conscientes vieram falar comigo e apoiam, o que é legal. Eu fiquei sabendo de várias pessoas que criticaram, não abertamente, na minha frente, mas através de outras pessoas. Aí é bem fácil você entender, né? Pessoas que têm uma maior consciência social, uma consciência dos privilégios, entendem e são favoráveis a isso. Já as pessoas que são individualistas, não tem jeito. Não entendem que o estado tem que existir.

MARKETING CONTRA OS IMPOSTOS E O ESTADO

Acho que tem um trabalho bem feito da direita, incluindo a mídia, de criminalização do estado, de deterioração da importância do estado. Aí circula essa noção de que o estado só atrapalha a gente e aí o pobre vai lá e fala “realmente o estado é muito ruim”. Tem todo um trabalho de marketing mesmo para enfraquecer o estado, cujo objetivo a gente sabe que é passar a máquina pública da mão do povo para a mão de poucas pessoas, privatizar o máximo possível.

O outro lado é que ninguém gosta de pagar imposto, ninguém vai falar “que legal você pagar imposto”. E aí a pessoa mais pobre, de classe média, que tem uma alíquota grande e que paga bastante, quando ele escuta isso de que a gente paga muito imposto, ela concorda. “É verdade, a gente paga muito imposto, então tem que acabar os impostos”. Só que essa pessoa não entende que ela está em lugar completamente diferente e que ela, sim, paga bastante imposto e as pessoas mais ricas pagam muito pouco imposto. Então há uma falta de entendimento da situação. E o super-rico coloca a classe média do lado dele e fala assim: “A gente está junto nessa”. Na verdade, não estamos juntos porque quem está pagando a conta é outro.

ESTADO CORRUPTO?

As pessoas falam assim: “o governo é corrupto, funcionário público é corrupto”. Primeiro: não é. Quem é corrupto são pessoas, e pessoas do primeiro, segundo, terceiro, setor. De todos os setores. A gente sabe que no setor privado os maiores bilionários do Brasil cometeram uma fraude de R$ 50 bilhões. E aí? Então, tem roubo em todos os setores. O que a gente tem que saber fazer é votar e cobrar. Esse argumento de que o governo rouba eu acho que é uma questão de a gente cobrar. Mas é o ser humano, o ser humano rouba em qualquer setor.

O governo tem que ter dinheiro. Dinheiro pra ter o SUS, pra ter educação pública de qualidade, precisa de recursos pra isso. E o dinheiro tem que sair de algum lugar e vem dos impostos. Mesmo o agro que tem um monte de subsídio, alguém paga essa conta. E quem tem que pagar mais imposto? É o rico. Para mim é uma equação muito simples.

FILANTROPIA X IMPOSTOS

Eu sou super favorável à filantropia, importante é as pessoas doarem. Mas a gente não pode confiar na filantropia pra ter justiça social. Por quê? Porque filantropia é enviesada. A filantropia ela pode ser a privatização da destinação dos recursos e o governo tem que olhar para onde faz sentido pro alocar aquele recurso. Na filantropia eu vou doar para as causas que eu acredito, que eu gosto, que mais tocam o meu coração. Você para as casas que você gosta. E o governo vai ver o que é mais importante. Por exemplo: a filantropia vai pra pro câncer. Só que tem doença de pobre que não recebe dinheiro de porque não é o rico não sente isso. Então, eu acho que é importante a filantropia, mas ela não substitui de maneira nenhum o pagamento de impostos.

Por Chico Alves

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