O que vai aparecer quando baixar o nível da água acumulada nas ruas de Canoas–RS? Essa é a pergunta que apavora muitos moradores do município, um dos que mais sofreu com a enchente.
Sentado no gramado da universidade Ulbra, onde mais de 6.000 pessoas estão abrigadas, Leandro Ramos desabafa: “Pelos relatos que os outros fazem, vai ter criança morta lá. Criancinhas que a gente viu nascer”.
Daniel Garlip, coordenador do programa de educação física da Ulbra, trabalha como voluntário no campus que agora se tornou o maior abrigo da cidade. Ele está em contato com os socorristas e com as histórias que eles contam.
Daniel ouviu de um deles que depois de recolher algumas crianças em um barco, um homem adulto pulou dentro da embarcação e ela virou.
Bombeiros que estavam na missão de socorro mergulharam na água e salvaram várias delas, mas não todas. Daniel também soube que, em alguns salvamentos, os socorristas encontraram moradores já mortos e amarraram os corpos nas casas onde foram encontrados, para permitir a identificação mais tarde.
Daniel trabalha dia e noite no abrigo da Ulbra, dona de um campus espaçoso que andava bem vazio. Mais dedicada ao ensino à distância ultimamente, a Ulbra tinha vários prédios desocupados e agora tem cinco centros de acolhimento. Em três deles as famílias estão abrigadas com seus animais domésticos.
Na terça-feira (7) a universidade aguardava mais uma remessa de colchões que somaria o suficiente para oferecer mais conforto a todos os desabrigados.
20 mil pessoas abrigadas só em Canoas–RS
Com mais de 6 mil pessoas traumatizadas e que perderam tudo reunidas no mesmo lugar, os conflitos fazem parte da rotina. E o esforço do reitor da Ulbra, Thomas Heimann, é para manter a tranquilidade e a segurança de todos.
A presença da polícia municipal é visível, mas ele pediu mais apoio à Prefeitura para garantir a segurança. O prefeito Jairo Jorge tem sido alvo de críticas dos administradores dos mais de 90 abrigos improvisados na cidade que atendem, no momento, pelo menos 20 mil pessoas.
Leandro Ramos e Davi Silva, vizinhos no bairro Fátima, não se conformam de terem sido surpreendidos pela enxurrada. Nas ruas onde eles moravam não passou carro de som algum avisando que seria necessário evacuar a área. O aviso foi feito em Mato Grande e em Mathias Velho. Mas não em Fátima.
Leandro acompanhou o noticiário na televisão e percebeu que era melhor fugir quanto antes, quando estava tudo seco ainda. Mas Davi não se deu conta e, quando viu, a casa já estava tomada. Ele fugiu para o segundo andar, mas mesmo assim ficou com água até o peito.
“Eu tinha uma oficina mecânica na frente da casa, tinha carro meu, carros dos clientes, um caminhão na porta com mobília que salvei lá. Mas ele flutuou e foi levado”, conta Davi.
Leandro, ao lado dele, disse também que faltou prevenção.
“Não sou engenheiro, mas seis meses atrás a água chegou a quase um metro do dique e não foi tanta chuva. Eles podiam ter evitado tudo isso.”
Por Heloisa Villela
Adicionar comentário