A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira (21) projeto de lei que pune pessoas que participem de ocupações no país. O PL 709/2023, de autoria do deputado Marcos Pollon (PL-MS), propõe que condenados por “invasão de propriedade urbana ou rural” sejam proibidos de receber auxílios, benefícios e de participar de outros programas do governo federal, bem como de assumir cargos ou funções públicas.
O placar da votação foi de 336 a favor e 120 contra a proposta. O texto agora segue para o Senado Federal.
O texto impede que pessoas condenadas por ‘invasão de propriedade urbana ou rural’ recebam benefícios sociais federais, como o Minha Casa, Minha Vida. As restrições também vedam a participação em cargos e funções públicas, além da inscrição em concursos públicos.
A restrição se aplica por oito anos, a partir do momento em que as pessoas deixem as propriedades ocupadas. Também fica vedada por este período a participação no Programa Nacional da Reforma Agrária. No caso do Bolsa Família, se o projeto virar lei, as pessoas serão excluídas do programa enquanto estiverem em ocupações.
Há uma semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou em reunião com líderes partidários da Casa que incluiria o projeto de lei na pauta de votações desta semana.
Segundo relatos, na reunião do dia 14, Lira não deu margem para que fosse negociada a retirada do projeto da pauta, num revés para líderes governistas.
A proposta foi articulada pela FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), uma das principais forças da Casa, como resposta às ações do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) no chamado Abril Vermelho.
Criminalizado pela extrema-direita e por parlamentares do centrão, o MST se organiza na luta pela terra em todo o país, e também pelo direito à alimentação saudável, livre de veneno e fruto da agroecologia e da agricultura familiar. O movimento é responsável, entre outras coisas, pela maior produção de arroz orgânico da América Latina.
Lindbergh Farias (PT-RJ) criticou o projeto:
“Este projeto é um retrocesso. Isto é uma loucura, um projeto inconstitucional que não tem como avançar”, disse o deputado.
Talíria Petrone (PSOL-RJ) também lamentou a aprovação:
“Precisamos democratizar o acesso à terra. É o que diz a Constituição, e isto deveria reger o nosso papel de cuidar do povo, deveríamos democratizar este acesso”.
Ex-ministro da boiada foi relator do projeto
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou em 23 de abril o relatório de Ricardo Salles (PL-SP) em favor do PL de Pollon. O placar foi de 38 votos favoráveis e oito contrários.
O ex-ministro do governo Bolsonaro, que deixou como legado para a Amazônia em sua passagem pelo governo as maiores taxas de desmatamento em 12 anos, disse, na sessão de aprovação, ver no projeto “pertinência e conveniência” e defendeu a sua aprovação ironizando a atuação política do MST, que ele chamou de “Carnaval Vermelho”, em referência ao mês de lutas do movimento, o Abril Vermelho.
Em seu perfil na rede social X, o ex-ministro da boiada, que teve sua campanha de R$ 2,6 milhões financiada por donos de construtoras que ele beneficiou — e também por fundadores de empresas que se dizem sustentáveis, como Votorantim e Localiza –, comemorou a aprovação do texto como “o começo do fim do MST”, e bradou “viva o agro” no fim de um post de repercussão quase nula.
O PL avançou na Casa em um contexto de pressão da extrema direita e da bancada ruralista contra movimentos populares de luta pela terra, sobretudo o MST. A bancada ruralista tem feito avançar outros projetos que atacam o direito de militantes pela terra.
Veja a manifestação do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) sobre o projeto aprovado:
Câmara deve retomar outro PL anti-MST
Uma das propostas é o PL 4183/2023, de autoria do deputado Coronel Assis (União-MS), com apoio de outros 23 signatários, que obriga movimentos populares a terem personalidade jurídica para poderem atuar politicamente. A proposta também recebeu voto favorável do relator, Alfredo Gaspar (União-AL), um dos membros titulares da CCJ.
Outra deverá voltar à pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara nesta quarta-feira, a partir das 14h30. Trata-se de um projeto inconstitucional que “dispõe sobre a retirada de invasores de propriedades privadas”.
O texto prevê que proprietários de terras invadidas possam retomá-las “por sua própria força ou utilizar força policial”, independentemente de ordem judicial, “contanto que o faça logo e que os atos de defesa ou de esforço não ultrapassem o indispensável à manutenção ou restituição da posse”.
Lira indicou nome ao Incra
O MST (Movimento dos Sem Terra) e outros movimentos sociais ocuparam no fim de abril a sede do Incra em Alagoas como forma de protesto contra a nomeação do indicado por Arthur Lira para a superintendência do órgão no estado.
O movimento afirmou, em nota, que o escolhido, Junior Rodrigues do Nascimento, “representa a continuidade da gestão com traços do bolsonarismo”.
Nascimento foi nomeado no lugar de Wilson César de Lira Santos, primo do presidente da Câmara, exonerado no dia 16 de abril. A saída foi fonte de um mal-estar com o governo. A solução foi Lira indicar um novo nome, o que, para o governo, tornou o caso “superado”.
A ocupação mobilizou cerca de 400 ativistas.
Deputado ruralista
Durante seis meses, o núcleo de pesquisas do De Olho nos Ruralistas investigou as conexões agrárias e políticas das famílias Lira e Pereira, sobrenomes paterno e materno do presidente da Câmara. O resultado é o dossiê “Arthur, o Fazendeiro” e uma série de reportagens, que o ICL Notícias republicou em novembro.
Com mais de 70 páginas, o documento detalha a dimensão do império agropecuário construído pela família. A equipe identificou 115 fazendas, que somam 20.039,51 hectares. Com elas, um histórico de violações de direitos humanos contado de forma inédita.
Da criação de gado na Terra Indígena Kariri-Xocó ao despejo de uma família de camponeses.
A pesquisa revela a criação de uma rede de prefeituras e consórcios intermunicipais que atuam em benefício do clã, em diálogo direto com as verbas federais: dos tratores às cavalgadas, das escavadeiras às vaquejadas protagonizadas por Arthur e seu filho Alvinho.
Arthur César Pereira de Lira é filho de Benedito de Lira, o Biu, um velho político ruralista que comanda os dois clãs. Vem da mãe o sobrenome Pereira, tradicional família de fazendeiros e políticos de Alagoas.
As famílias possuem, juntas, 17.037,10 hectares em Alagoas e 2.718,31 hectares no Agreste pernambucano, segundo levantamento do observatório.
(Com Brasil de Fato)
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