MP pode concordar com arquivamento, pedir novas diligências ou apresentar denúncia. Confusão em baile funk em dezembro deixou nove mortos em Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo. Laudo aponta que vítimas foram pisoteadas e morreram asfixiadas.
A Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo concluiu nesta sexta-feira (7) o Inquérito Policial Militar que apurava a conduta dos 31 PMs envolvidos na tragédia de Paraisópolis e decidiu pelo arquivamento da investigação. A Polícia Civil, por meio do DHPP, ainda investiga a operação da PM durante o baile funk realizado no bairro da Zona Sul de SP em dezembro.
A conclusão da Corregedoria da PM foi de que, apesar das nove mortes, a ação dos policiais foi lícita e eles agiram em legítima defesa. O documento assinala ainda que os PMs sequer praticaram infração militar. O relatório é assinado pelo encarregado do inquérito, capitão Rafael Oliveira Cazella. As conclusões dele foram referendadas pelo subcomandante da Polícia Militar de São Paulo.
O inquérito tem cerca de 1.600 páginas e está nas mãos do juiz Ronaldo João Roth da 1ª Auditoria do Tribunal da Justiça Militar. O documento deve seguir para o Ministério Público na segunda-feira (10), que pode pedir novas diligências, concordar com o arquivamento ou apresentar denúncia.
Para Ariel de Castro Alves, advogado, conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos) e membro do Grupo Tortura Nunca Mais a decisão da Corregedoria pode ter efeito negativo para a segurança de moradores em regiões periféricas.
“Lamentável e inaceitável que a Corregedoria da PM tenha considerado a ação policial em Paraisópolis como lícita. Pode gerar uma verdadeira licença para matar, legitimando novas ações violentas e desastrosas de policiais em bailes que reúnem centenas e milhares de adolescentes nas periferias”, disse Alves.
O conselheiro disse que “os policiais deveriam ser responsabilizados por homicídio doloso, no chamado dolo eventual. Ao jogarem bombas de gás lacrimogêneo, realizarem disparos de balas de borracha e agressões com cassetetes, socos e chutes, além da pressão com o uso das viaturas, visando a dispersão dos adolescentes e jovens em vielas e becos sem saída, eles assumiram o risco de gerar a tragédia, com as mortes.”
Em nota, a União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis protestou contra a decisão da Corregedoria da PM. “Recebemos com profundo pesar o resultado do inquérito conduzido pela Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo sobre a atuação de 31 policiais envolvidos na tragédia que vitimou nove jovens que participavam de um baile funk na comunidade.”
Ainda segundo o documento, “no dia em que Paraisópolis enterra três jovens, que foram mortos após serem retirados de suas casas por homens encapuzados, a Corregedoria da PM arquiva a investigação contra os policiais que conduziram uma operação desastrosa durante o Baile da 17″, disse Gilson Rodrigues, presidente da União, que assina a nota.
“A pergunta que se faz é como diante de todas as imagens disponíveis daquela noite o resultado do inquérito foi pelo arquivamento do caso? Os policiais assumiram o risco e devem responder por isso”, disse Rodrigues.
Para ele, a decisão da Corregedoria “aumenta o sentimento de injustiça e de impunidade. Hoje, os nove jovens do Baile da 17 foram novamente encurralados, pisoteados e asfixiados por essa decisão. Por isso, convoco toda a sociedade e as comunidades do Brasil a se mobilizarem em apoio às famílias das vítimas.”
Relembre a tragédia
Há pouco mais de dois meses, nove pessoas foram mortas e 12 ficaram feridas em Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo, após ação da Polícia Militar (PM) em um baile funk. Trinta e um agentes da PM que participaram da operação foram investigados por suspeita de participação nas mortes e nos feridos.
Parentes das vítimas ouvidos pelo G1 afirmam que as causas, circunstâncias e eventuais responsabilidades pelas mortes e feridos ainda precisam ser esclarecidas.
“Direta ou indiretamente, as mortes só ocorreram porque houve uma ação policial. Há baile funk todos os dias, todos os finais de semana, mas a gente não ouve falar de pessoas morrendo pisoteadas, nem em rodeios. Cabe às investigações dizer se as mortes foram provocadas pela ação policiais ou se foi um grande desastre”, afirma o estagiário Danylo Amilcar, de 19 anos, irmão do estudante Denys Henrique Quirino da Silva, de 16 anos, um dos mortos em Paraisópolis em 1º de dezembro.
Para Danylo, se a PM não tivesse invadido o baile funk naquele dia, as mortes, inclusive a do seu irmão, não teriam ocorrido. “Se a ação policial não tivesse ocorrido, não teriam ocorrido as nove mortes”.
Outros parentes de vítimas conversaram com a reportagem sob a condição de que não fossem identificados.
Os policiais militares alegam que procuravam suspeitos de crimes na festa, conhecida como baile da DZ7. E que frequentadores morreram e se machucaram após serem pisoteados uns pelos outros em vielas depois que os criminosos atiraram contra os agentes.
Segundo os PMs, houve corre-corre e a população os agrediu com paus, pedras e garrafadas. Eles então precisaram usar balas de borracha, bombas de gás e de efeito moral e cassetetes para dispersar a multidão que participava do baile.
A população local contesta essa versão dada pelos policiais. Alega, por exemplo, que os agentes encurralaram as pessoas em duas vielas para dispersar o baile funk. E que para isso as agrediram, provocando tumulto. Vídeos gravados por moradores e sobreviventes mostram PMs agredindo pessoas durante a dispersão.
A ação da PM que deixou mortos em Paraisópolis está sendo apurada tanto pela Polícia Civil, na esfera criminal, quanto pela própria Polícia Militar, no âmbito administrativo. As autoridades querem saber se os policiais militares provocaram as mortes ou se elas aconteceram por suposto tumulto causado por tiros de criminosos. Ao todo 31 PMs estão afastados das ruas porque estão sendo investigados se provocaram ou não as mortes.
O advogado Fernando Capano, responsável pela defesa de seis policiais que participaram da ocorrência em Paraisópolis no último dia 1 de dezembro, bem como da tutela dos interesses de outro policial que participou de ocorrências na comunidade em data anterior ao do episódio mencionado, diz que acompanha as investigações da PM e do DHPP.
“Os policiais envolvidos no episódio de Paraisópolis estão cumprindo expediente administrativo, nos termos de normativo da própria Polícia Militar que regula a preservação funcional de servidores envolvidos em ocorrências de vulto”, diz.
“As investigações ainda estão em seu termo inicial. No entanto, todas as provas já produzidas indicam que as lamentáveis mortes ocorridas em Paraisópolis se deram em razão direta da conduta criminosa de dois indivíduos em uma motocicleta que, ao atirarem contra os policiais, iniciaram o tumulto que culminou com a tragédia. A ação policial posterior serviu para acautelar o cenário após as mortes já terem ocorrido. Isto significa que, do ponto de vista jurídico, não há como se atribuir qualquer responsabilidade a qualquer dos policiais que participaram da ocorrência, já que não há nexo de causalidade entre a conduta dos agentes públicos e o resultado morte”, completa.
Pisoteamento
Laudos pericias feitos pela Superintendência da Polícia Técnico-Científica mostram que os mortos em Paraisópolis tinham traumas compatíveis com pisoteamentos, como contusões e escoriações, ferimentos estes que os levaram à morte.
De acordo com os laudos, todas as vítimas tinham substâncias tóxicas no sangue. Entre elas, álcool, cocaína, lança-perfume, anfetamina e crack. Apesar disso, não há confirmação de que esses produtos contribuíram para as mortes.
A causa das mortes, continuam os exames, foi asfixia mecânica provocada por sufocação indireta provavelmente em decorrência do pisoteamento. A única vítima que não morreu por asfixia foi Mateus dos Santos Costa, de 23 anos. Ele teve lesão na coluna.
Veja abaixo quem são os 9 mortos:
- Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16 anos
- Bruno Gabriel dos Santos, 22 anos
- Eduardo Silva, 21 anos
- Denys Henrique Quirino da Silva, 16 anos
- Mateus dos Santos Costa, 23 anos
- Dennys Guilherme dos Santos Franca, 16 anos
- Gustavo Cruz Xavier, 14 anos
- Gabriel Rogério de Moraes, 20 anos
- Luara Victoria de Oliveira, 18 anos
Direitos humanos
“Os policiais assumiram o risco de gerar feridos e mortos”, diz ao G1 o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humanos (Condepe).
“O importante agora é que as investigações individualizem as condutas de cada policial, com base nos vídeos e nos depoimentos das mais de 40 testemunhas que já depuseram”, afirma Ariel.
Segundo o presidente do Condepe, o também advogado Dimitri Sales, as famílias das vítimas querem transparência nas investigações que são feitas pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).
“Tivemos acesso a todo o inquérito que é sigiloso do DHPP, mas estamos tendo problemas em relação às fotos dos corpos, que não foram anexadas nos laudos no inquérito. A perícia científica alega questões éticas para não permitir que vejamos estas fotos, mas é extremamente necessário isso para que não paire nenhuma dúvida sobre o que ocorreu”, fala Dimitri sobre o fato de ter tido negado o acesso às imagens das vítimas.
Segundo o Condepe, parentes das vítimas começarão em janeiro a ter reuniões com psicólogos e psiquiatras para acompanhamento médico individual e em grupo por meio de um convênio com o Instituto Sapiens de Psicologia.
Ouvidoria
A Ouvidoria da Polícia, responsável por receber denúncias envolvendo policiais no estado, informou que elabora um relatório sobre a ação policial que resultou nas mortes em Paraisópolis. E que tornará o documento público.
“Preliminarmente, a avaliação do órgão é que a ocorrência policial foi improvisada, precipitada e desastrosa e contribuiu direta ou indiretamente com o resultado trágico”, diz o ouvidor Benedito Mariano.
“Esperamos que as policias Civil e Militar concluam as investigações no final de janeiro. A Ouvidoria da Polícia fara recomendações ao governo e sugestões a Prefeitura de São Paulo”, completa o ouvidor.
Ministério Público
Um promotor criminal do Tribunal do Júri, onde são julgados crimes dolosos contra a vida, acompanha as investigações policiais sobre o que ocorreu em Paraisópolis. Segundo a assessoria do Ministério Público (MP), até 18 de dezembro o inquérito ainda estava com a polícia.
Bruno Tavares e Robinson Cerântula – G1
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