O presidente Jair Bolsonaro e o alto escalão de seu governo nunca evocaram tanto a ameaça de um golpe de Estado no Brasil quanto nos últimos dias, uma hipótese pouco provável, avaliam analistas. Por enquanto.
O maior país da América Latina é governado de forma belicosa por um presidente cercado, assim como seu entorno, por uma série de investigações, um ano e meio depois de chegar ao poder.
A atual crise institucional, reforçada pela gravíssima crise sanitária do novo coronavírus e pela ameaça de uma recessão histórica, agrava o clima de instabilidade do Brasil, onde o governo deste nostálgico da ditadura (1964-85) tem dez militares em 23 ministérios e 3.000 na alta administração.
“Nós, militares das Forças Armadas (…) somos os verdadeiros responsáveis pela democracia no nosso país. Nós jamais cumpriríamos ordens absurdas”, afirmou Bolsonaro em entrevista na segunda-feira à emissora Band.
“Mas também jamais aceitaríamos um julgamento político para destruir um presidente democraticamente eleito”, completou.
O capitão do Exército, ex-paraquedista, é ameaçado ao mesmo tempo por um processo de impeachment (para o qual há cerca de 30 pedidos no Congresso) e pela anulação de sua eleição por irregularidades em sua campanha.
Seus filhos, o senador Flávio, o deputado federal Eduardo e o vereador (Rio de Janeiro) Carlos, são alvo de investigações por corrupção e difusão de notícias falsas.
Estes diversos procedimentos emanam do Congresso, do Ministério Público, da Polícia Federal, do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal (STF).
É com este último que Jair Bolsonaro trava uma queda de braço, com o apoio dos militares. E ao interpretar à sua maneira o artigo 142 da Constituição Federal que lhe permitiria convocar as Forças Armadas.
– “Ruptura democrática” –
No último fim de semana, manifestantes bolsonaristas ameaçaram, em Brasília, “transformar em pano de chão” as togas dos juízes do Supremo. “Esses vagabundos”, que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, quer “mandar para a prisão”.
Vindas dos generais do governo, as ameaças são apenas mais veladas.
Na sexta-feira passada, o general da ativa Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria do governo, considerou “ultrajante” dizer que “o Exército vai dar um golpe de Estado”, mas advertiu “o outro lado” (com o STF à frente): “não estica a corda”.
Anteriormente, o general da reserva Augusto Heleno, figura-chave do governo no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), fez tremer o país ao evocar as “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”, se o celular de Bolsonaro fosse apreendido no contexto de uma investigação.
Mas, uma intervenção militar estaria na ordem do dia no Brasil? “Absolutamente não!”, replica Nelson Düring, editor-chefe do site Defesanet. “Estamos muito longe disso”, garante.
“As preocupações com uma ruptura democrática são muito exageradas”, concordam os analistas da Eurasiagroup, que estimam os riscos “em menos de 5%”.
Evocar e desmentir a cada vez a perspectiva de uma intervenção militar corresponde, no entanto, a uma “estratégia de ameaças ao Supremo para impedir o que se consideram afrontas ao Executivo”, avalia Maud Chirio, historiadora da Universidade Gustave Eiffel, em Paris.
Particularmente, o Supremo rejeitou a nomeação de um indicado por Bolsonaro para a chefia da Polícia Federal, que investiga precisamente seu filho, Flávio. Um gesto visto como “uma provocação”, “uma ingerência brutal”, sob a perspectiva do presidente.
“Por enquanto, os militares demonstram solidariedade absoluta a Bolsonaro”, afirma Chirio, apesar de haver, às vezes, “um mal-estar” no seio de uma instituição que havia recuperado certo prestígio.
“Os militares ultraconservadores do governo têm um projeto político, que é o mesmo que aquele sustentado de forma exagerada e caótica por Bolsonaro”, acrescenta.
– “Reações imprevisíveis” –
Então, “um tipo de golpe de Estado é possível, se os outros poderes” não se renderem e “decidirem jogar a carta da destituição de Bolsonaro, ou reduzi-lo à impotência, com a multiplicação de investigações judiciais sobre sua família e sua pessoa”, avalia Maud Chirio.
No entanto, “os militares terão muita dificuldade em se contrapor a essas instituições” do Judiciário e do Legislativo, afirma Carlos Fico, professor de Estudos Militares da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Embora considere difícil “um golpe de Estado típico com tanques militares na Praça dos Três Poderes em Brasília”, Fico evoca a ameaça feita pelo clã Bolsonaro de fechar o Congresso e o Supremo.
Com apenas 30% do apoio popular que Bolsonaro tem, ele prevê que esta tentativa provocaria “grande reação da sociedade”.
“Isso poderia levar a manifestações violentas de seus apoiadores radicalizados”, prevê Carlos Fico, sem excluir “reações imprevisíveis dos policias militares estaduais que apoiam o presidente”.
AFP
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