Política

Quem são os 30%? Como escândalos, pandemia e auxílio emergencial podem estar mudando base de apoio de Bolsonaro

Especialistas estimam que, dos 30% que dizem aprovar gestão do presidente, cerca de 15% são 'fiéis'. Foto: SERGIO LIMA/AFP

Quando foi eleito, Jair Bolsonaro chegava ao poder acompanhado de uma verdadeira onda que elegeu 52 deputados de seu então partido, o PSL, que formaram a segunda maior bancada da Câmara.

Ele venceu no segundo turno com 55% dos votos válidos — uma base que, de lá para cá, parece estar reduzindo e mudando sua composição.

A rejeição ao governo vem numa crescente desde o ano passado.

Em junho, segundo a última pesquisa Datafolha, 44% dos brasileiros avaliavam a gestão Bolsonaro como ruim ou péssima, pior desempenho para um presidente em primeiro mandato desde Fernando Collor, que tinha 41% de rejeição em um ano e cinco meses de gestão.

Pesquisas de avaliação do governo Bolsonaro

Datafolha – de abril de 2019 a junho de 2020

Para a cientista política e pesquisadora do Cebrap Camila Rocha, parte do aumento da rejeição se deve à “falta de decoro do presidente” e a uma percepção inicial de que Bolsonaro “não estaria preocupado de fato com os interesses das classes trabalhadoras”.

Ela considera a postura do presidente frente à pandemia como um momento de inflexão importante, “na medida em que foi percebida por muitos de seus eleitores, principalmente pelas mulheres, como uma demonstração de falta de humanidade frente aos infectados e mortos pelo vírus”.

Na abertura por faixa de renda, o Datafolha mostra que o grupo em que mais cresceu a insatisfação com o governo foi o das classes média e alta — justamente aquele para o qual o discurso anticorrupção que marcou a retórica de campanha de Bolsonaro é mais caro.

Parte dessa base “lavajatista” teria desembarcado do governo depois de episódios como a saída do ex-ministro Sergio Moro e a acusação de tentativa de interferência do presidente na Polícia Federal.

Também engrossam o caldo da rejeição das classes médias o avanço de denúncias relacionadas ao chamado “inquérito das fake news” e as investigações que apuram eventual envolvimento do senador Flávio Bolsonaro em esquema de rachadinha. Nesse último caso, para muitos de seus eleitores, Bolsonaro teria procurado obstruir as investigações para favorecer sua família.

Avaliação do governo como ruim/péssimo

 

Os 30%

Esse movimento, entretanto, não teve um impacto no “número cheio” da aprovação de Bolsonaro: assim como em meados do ano passado, 30% dos brasileiros dizem avaliar o governo como ótimo e bom.

Isso acontece porque parte do vácuo deixado pelas classes de renda mais alta foi ocupado pelos brasileiros mais pobres.

Em dezembro, 22% dos que tinham renda de até 2 salários mínimos avaliavam o governo como ótimo ou bom, proporção que subiu para 29% em junho. Com o salto, a participação desse grupo entre aqueles que avaliam o governo como ótimo ou bom hoje é pouco mais de 50%.

Avaliação do governo como ótimo/bom

Por faixa em renda – em salários mínimos

O diretor do Datafolha, Mauro Paulino, ressalta que, tanto na pesquisa de maio quanto na de junho, dentro dos 30%, cerca de um terço não havia votado em Bolsonaro e, deles, a maioria recebia o auxílio emergencial de R$ 600.

Para Camila Rocha, o benefício pode ajudar a explicar o aumento da adesão das camadas mais populares, mas é, por enquanto, apenas uma hipótese. Aliás, o próprio Datafolha mostrou que, entre os que recebem o auxílio emergencial, 49% reprovam a atuação do governo na pandemia.

Ela avalia que é cedo para afirmar se existe uma reconfiguração do bolsonarismo. É preciso compreender melhor o fenômeno e ver se essa mudança de composição se mantém por mais tempo.

A cientista política Mariana Borges Martins da Silva, pós-doutora na Nuffield College, na Universidade de Oxford, que há anos pesquisa o comportamento eleitoral dos brasileiros de baixa renda, concorda que ainda não é possível fazer uma avaliação categórica.

Ela ressalta que a decisão de voto desse grupo é um processo mais complexo do que muita gente pensa e que, no fim do dia, um benefício não vai ser o único fator levado em conta diante da urna.

E dá o exemplo do próprio Bolsa Família, que, segunda ela, era um ponto “residual” na avaliação do PT feita pelos eleitores de baixa renda que consideravam positiva a gestão do partido. Eles levavam em conta uma série de outros fatores que também tinham impacto direto em suas vidas: acesso a água, eletricidade, consumo, crédito, ensino superior.

“É muito simplificador colocar só na conta do Bolsa Família.”

Existia uma visão entre eles, segundo a pesquisadora, de que Lula olhava para os mais pobres.

E essa é uma imagem que parece que Bolsonaro vem tentando construir, inclusive com o discurso que tem usado durante a pandemia, quando repete que as medidas de isolamento, das quais discorda, têm penalizado os mais pobres.

Bolsonaro em um protesto no dia 19 de abril
Com auxílio emergencial e Bolsa Família repaginado, Bolsonaro faz aceno a classes mais pobres. Foto: SERGIO LIMA/AFP
 

A antropóloga Isabela Kalil, que pesquisa a base social do bolsonarismo com uma abordagem etnográfica, com contato direto com grupos de eleitores, acrescenta que, além do auxílio emergencial, as mudanças no Bolsa Família, rebatizado de Renda Brasil, também seriam um aceno a esse público.

Mas o fato de responder em uma pesquisa de opinião que aprova a gestão do presidente não significa necessariamente fidelidade a ele ou ao seu projeto político.

Os eleitores mais pobres que agora dizem aprovar a gestão Bolsonaro, segunda ela, fazem parte de um grupo cujo apoio ao presidente é mais volátil.

É diferente dos bolsonaristas fiéis, que, segundo escreveu recentemente o sociólogo Reginaldo Prandi, representam cerca de 15% dos brasileiros adultos. Ele fez a estimativa com base na última pesquisa Datafolha, isolando o grupo daqueles que votaram no presidente, que dizem acreditar em tudo o que Bolsonaro fala e que avaliam seu governo como ótimo ou bom.

A pesquisa de Isabela também aponta um percentual parecido com esse.

O restante, algo entre 15% e 20%, são os eleitores que ela chama de mais voláteis, que não necessariamente dariam seu voto a Bolsonaro, apesar de avaliarem bem seu governo no momento.

Se as eleições fossem hoje, entretanto, muitos deles levariam de fato esse apoio às urnas, conforme tem apontado a pesquisa da antropóloga, por não enxergarem outras alternativas na política.

Essa também foi a conclusão do estudo recente feito pela cientista política Camila Rocha e pela socióloga Esther Solano com brasileiros das classes C e D que haviam votado no presidente.

Mesmo aqueles críticos à administração afirmaram, em sua maioria, que votariam nele por falta de opção se as eleições se dessem neste momento.

Bolsonaro cumprimenta apoiadores em 31 de maio
Apesar de aparentemente inerte, grupo que aprova a gestão do presidente passou por mudanças substanciais nos últimos meses. Foto: JOEDSON ALVES/EPA

Também no Congresso

A base de apoio do presidente também sofreu uma mudança radical no Congresso. Ainda em novembro do ano passado, Bolsonaro anunciou sua saída do partido que o elegeu, o PSL, e a fundação de uma nova sigla, o Aliança pelo Brasil.

Nos 28 anos em que foi deputado federal, Bolsonaro passou por 7 partidos diferentes. A saída do PSL aconteceu depois de uma série de desavenças entre Bolsonaro e o presidente do partido, Luciano Bivar, envolvendo disputas por controle de cargos e os repasses do fundo eleitoral.

De lá para cá, Bolsonaro perdeu apoio de parlamentares como Alexandre Frota, que foi expulso do PSL, e de Joice Hasselmann.

Essa desidratação foi gradualmente aparecendo nas votações no Congresso, e acendeu a “luz amarela” para o Palácio do Planalto quando o governo sofreu derrotas por uma ampla margem de votos, como aconteceu com o plano de ajuda aos Estados e municípios, em abril, em que a posição do governo perdeu por 431 votos a 70.

Não por acaso, desde abril Bolsonaro começou se aproximar do chamado centrão, um grupo de partidos que em geral orbita em torno de quem senta na cadeira de presidente, independentemente da ideologia política.

Na tentativa de aumentar sua base de apoio no Congresso e de se blindar de um eventual processo de impeachment, o presidente tem negociado uma série de cargos com esses partidos, como o Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação e o Departamento Nacional de Obras contra a Seca, o Denocs, ambos entregues ao PP.

Bolsonaro falou sobre isso no fim de maio, em uma live, em que defendeu a prática e disse que os parlamentares se sentiam “prestigiados” com as indicações.

“Nós temos que ter uma agenda positiva para o Brasil. Então eu conduzi a conversa ao longo dos dois últimos meses. Conversei com praticamente todos presidentes e líderes de partidos. Sim, alguns querem cargos, não vou negar. Alguns, não são todos. Mas, em nenhum momento, oferecemos ou pediram ministérios, estatais ou bancos oficiais.”

O presidente afirmou, na mesma ocasião, que esse movimento também vislumbrava as eleições de 2022, para fortalecer uma eventual candidatura caso ele decida tentar a reeleição.

 

Camilla Veras Mota – @cavmota- BBC

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