Ativistas antiaborto fizeram uma manifestação em frente ao hospital onde está internada uma menina de 10 anos, que engravidou ao ser estuprada pelo tio. A criança, do Espirito Santo, teve atendimento negado no hospital de Vitória e precisou viajar para outro estado para se submeter ao procedimento autorizado pela Justiça. O destino era sigiloso, mas foi desvendado. Uma das responsáveis por disseminar o paradeiro da menina foi a ativista bolsonarista Sara Giromini, autodenominada Sara Winter, que divulgou o primeiro nome da criança capixaba em postagem de Twitter. O texto foi removido pela administração da rede social, que já havia bloqueado a ativista antes por ordem judicial.
Giromini havia sido presa pela Polícia Federal durante apuração de organização dos atos antidemocráticos em Brasília. Antes, havia trabalhado como coordenadora-geral de Atenção Integral à Gestante e à Maternidade do Ministério da Família, Mulheres e Direitos Humanos, por indicação da ministra Damares Alves, com quem compartilha bandeiras contra o feminismo e o aborto.
A coordenadora do hospital informou que um grupo de “fundamentalistas religiosos” cercou a unidade e chamou os médicos de assassinos. Um outro grupo de manifestantes, de defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, foi ao local para impedir que os ativistas antiaborto invadissem o hospital. A coordenadora não soube informar quantas pessoas participaram da manifestação. Em vídeos, o grupo antiaborto aparentava ter cerca de 40 pessoas.
Um dos vídeos que circulam nas redes mostra ativistas contrários ao aborto tentando invadir o hospital, protegido por seguranças. Numa outra gravação, o mesmo grupo faz uma oração pela interrupção do aborto, enquanto outros manifestantes criticam a atitude.
Reforço policial
O hospital solicitou reforço policial ao governo do estado. Segundo a coordenadora, os agentes de segurança devem permanecer na porta até que a menina tenha alta. Ela diz que esse tipo de procedimento costuma exigir uma internação de cerca de um dia, mas que a paciente só deve ser liberada para voltar ao Espírito Santo, após a garantia de que seu estado de saúde é satisfatório.
— Me surpreende ver tantas pessoas reunidas, num momento de pandemia, sem respeitar recomendações sanitárias, gritando na porta de uma maternidade, nos agredindo, chamando de assassino — afirma a coordenadora do hospital.
Ela diz que o hospital teve que bloquear portas depois de sofrer ameaças, comportamento que ela considerou como “agressivo”.
— A diretoria da instituição lamenta o ocorrido, e mais do que nunca defendemos a vida das mulheres e a garantia de seus direitos sexuais e reprodutivos. Temos lutado pela efetivação desses direitos no SUS, para que todas as mulheres tenham um atendimento digno — declarou ela.
Risco de morte materna
Apesar da decisão judicial, o hospital de referência de Vitória alegou questões técnicas para não fazer o procedimento. Com apoio da Promotoria da Infância e da Juventude de São Mateus e da Secretaria Estadual de Saúde, ela foi transferida em companhia da avó.
A criança, grávida de cerca de 20 semanas, enfrenta, de acordo com fontes da reportagem, problemas de saúde. Ela tem direito de realizar o aborto legal por ter sido vítima de violência sexual e pelo risco de morte materna.
O hospital alegou que a idade gestacional estava avançada e, portanto, não era amparada pela legislação. Porém, a advogada Sandra Lia Bazzo Barwinski, do Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem Brasil), afirma que, no Brasil não é determinado qualquer tipo de limite na legislação.
— O Código Penal diz que não é crime o aborto, com consentimento da gestante e praticado por médico, quando houver risco de vida à gestante ou for decorrente de estupro. Nosso código não coloca data, peso, limite. Se uma paciente chegar com gestação de seis, sete, oito meses e estiver correndo risco de morte, o médico vai avaliar o risco e dar opção de fazer a antecipação do parto para salvar a sua vida — afirma a advogada.
Segundo a advogada, que acompanha o caso, a menina está com diabetes gestacional.
— A criança está doente, o que potencializa o risco de morte dela. É uma emergência médica e numa emergência médica não há objeção de consciência, pela ética médica. Era obrigação do serviço de saúde prestar assistência médica.
O tio da criança é investigado por estuprá-la desde que ela tinha 6 anos de idade. Ela fugiu de casa e foi levada pelo Conselho Tutelar para um abrigo.
A secretaria de saúde do estado que recebeu a criança afirma que segue a legislação vigente em relação à interrupção da gravidez, além dos protocolos do Ministério da Saúde para a realização do procedimento.
* Colaboraram Guilherme Caetano e Rafael Garcia
Por Constança Tatsch – Extra.
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