Ciência

Cortes na ciência e tecnologia se aprofundam no governo Bolsonaro

Foto: Divulgação

Proposta orçamentária para 2021 retira R$ 4,8 bilhões do FNDCT, faz cortes em bolsas de estudos do CNPq e da Capes e impõe restrições significativas em áreas estratégicas como Inpe, Embrapa e universidades.

O Projeto de Lei Orçamentária Anual do Governo Federal para o ano que vem (PLOA 2021), encaminhado dia 31 de agosto pelo Executivo ao Congresso Nacional, mantém e aprofunda as restrições impostas à Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) brasileira desde os anos anteriores.

O dinheiro reservado para Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) para despesas discricionárias totaliza R$ R$ 2,735 bilhões. Para comparar com a proposta de 2020, é preciso separar os recursos relativos à área de Comunicações que neste ano passou a compor um novo ministério, segundo explicou a assessoria do MCTI em uma nota à imprensa divulgada em 8 de setembro. Dessa forma, a proposta orçamentaria do MCTI para 2021 sofreu uma redução de 10,27% se comparada com 2020, já excluída a conta das Comunicações.

O PLOA 2021 foi feito seguindo as regras da legislação que limita os gastos públicos – o Teto de Gastos (EC 95/16) e a Regra de Ouro, um mecanismo, que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes (salários, benefícios de aposentadoria, contas de luz e outros custeios da máquina pública).

Para cumprir com estas regras, o governo fez um orçamento com estas limitações e acrescentou uma proposta de complementação dos recursos de diversas áreas através de créditos suplementares, que precisarão ser aprovados pelo Congresso Nacional, após a LOA 2021 ser publicada. Praticamente 60% do orçamento geral do MCTI estará pendente da aprovação destes créditos em função da Regra de Ouro. Um problema sério para as instituições e universidades é que esta situação – de uma parte significativa dos recursos orçamentários estar colocada em uma proposta de suplementação, condicionada à aprovação pelo Congresso de um PLN proveniente do governo – é que isto impacta profundamente o fluxo de pagamentos e, portanto, a gestão destas instituições.

Esvaziamento do CNPq

Uma análise realizada pela assessoria parlamentar da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) sobre a parte do documento referente ao MCTI revela que algumas áreas foram ainda mais penalizadas este ano do que ano passado. Uma delas é o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que no ano que vem completará 70 anos de criação.

O orçamento reservado para o órgão, sem os créditos suplementares, é de R$ 560,7 milhões, 57,2% inferior ao deste ano. Os valores destinados a bolsas de estudo (R$ 362,5 milhões) sofreram um corte de 64%. A conta de fomento, que é a segunda principal atividade do CNPq de apoio à pesquisa – dinheiro usado para compra de equipamentos e montagem de laboratórios –, ficou em apenas R$ 22,5 milhões daquele total, já considerando créditos suplementares. Sem esses créditos, é de apenas R$ 10 milhões.

No caso do CNPq, o governo propõe ampliar o valor total para R$ 1,256 bilhão dependendo da aprovação de créditos suplementares de R$ 696 milhões, o que reduziria o corte do orçamento da agência para 8,34%.

Em resumo, 60,55% dos recursos das bolsas do CNPq estão condicionados à aprovação de créditos suplementares. Dessa forma, até que haja a aprovação desta suplementação pelo Congresso, o CNPq pode garantir apenas quatro meses de bolsas de estudos no ano que vem. Mesmo com os recursos adicionais do orçamento suplementar, o CNPq ainda terá uma redução de cerca de 10% para os recursos das bolsas.

Sistema em risco

As agências ligadas à administração direta do MCTI também tiveram cortes expressivos. Em meio a uma das piores ondas de queimadas na Floresta Amazônica, no Cerrado e no Pantanal, com graves danos ao meio ambiente e à própria economia, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – que monitora queimadas – teve seu orçamento cortado em 41,8%, para R$ 1,083 bilhão, tendo ainda 60% de seus recursos dependente de créditos suplementares. Caso o governo consiga aprovar a proposta de crédito suplementar, o orçamento do instituto sobe para R$ 2,73 bilhões, o que ainda assim representará uma queda de 10% em comparação com 2020.

A manutenção dos contratos de gestão com Organizações Sociais (OS) – que impacta agências como Embrapii, CGEE, RNP entre outros – também sofreu forte queda na PLOA 2021. Os recursos previstos para o ano que vem, de R$ 103,75 milhões, representam uma queda de 50,79% se comparado com o PLOA 2020. Caso o governo consiga aprovar os créditos suplementares propostos no projeto, a conta vai a R$ 263 milhões, o que ainda representará uma queda de 19,54%, comparada ao orçamento deste ano.

A Embrapa, ligada ao Ministério da Agricultura e de onde saem as pesquisas que garantem a competitividade do agronegócio brasileiro, teve seu orçamento cortado em 53,6%, para R$ 998,1 milhões. Na proposta, o governo inclui um crédito suplementar que eleva esse valor para R$ 3,5 bilhões, o que significa que a Embrapa está com 71,3% de seu orçamento condicionados a esses créditos futuros. Note-se que a Embrapa sofreu recentemente uma redução de 250 milhões de reais em seus recursos para 2020.

Para as universidades, segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), haverá uma queda 17,5% nos recursos totais para as despesas discricionárias e, um problema sério, 55,28% deste orçamento está condicionado em função da Regra de Ouro. Para os institutos federais, estes números são 16,6% e 58,4% respectivamente.

FNDCT ainda quase todo na Reserva de Contingência

No PLOA 2021, o governo confirma um aumento na arrecadação para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) de 9,34%, gerando um saldo de R$ 5,348 bilhões para as despesas orçamentárias. No entanto, a proposta mantém a maior parte dos recursos (R$ 4,8 bilhões) em reserva de contingência. Assim, essa que já foi a principal fonte de investimentos em CT&I no Brasil, fica reduzida a pouco mais de R$ 500 milhões, o que agrava as restrições sofridas este ano.

Do valor liberado, as subvenções a empresas inovadoras ficaram com apenas R$ 36,6 milhões, uma queda de 30,9% em comparação ao PLOA 2020. Mas os maiores cortes são nos fundos setoriais (CTs) que abrangem áreas estratégicas como Saúde, Espacial, Mineral, Transporte, Biotecnologia, etc. A maior parte dos recursos de 2021 foi alocada no CT Saúde, enquanto oito dos 15 CTs receberão um valor simbólico de apenas R$ 20 mil cada. Os recursos destinados ao financiamento reembolsável de projetos do setor privado – que são contabilizados fora da conta orçamentária sujeita à reserva de contingência – ficarão em R$ 1,8 bilhão, com acréscimo de 9,6% comparado a este ano.

“Visão estreita de país”

Para o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, o PLOA 2021 representa um “desmonte acelerado” da área de CT&I, o que demonstra uma “visão muito estreita de país” por parte do Governo Federal.

Ele lembra que o contingenciamento do FNDCT, um fundo composto por recursos arrecadados em impostos das empresas, com a destinação específica de financiar pesquisa e desenvolvimento, descumpre a Constituição brasileira em seu Artigo 218, parágrafo 1º e, também, a legislação que destina os recursos provenientes de setores da economia para este fundo. No entanto, ele lembra que a comunidade científica e acadêmica obteve uma grande vitória em julho com a aprovação pelo Senado do Projeto de Lei Complementar (PLP 135/2020), que transforma o FNDCT em fundo financeiro e proíbe a alocação dos recursos na reserva de contingencia. O PLP ainda depende de aprovação da Câmara. “Estamos fazendo um esforço grande para que ele seja votado na Câmara com urgência”, disse Moreira. “Há que se buscar mecanismos para que estes recursos, uma vez não contingenciados, entrem rapidamente no sistema de CT&I, porque são absolutamente necessários para enviar um colapso maior,” acrescenta.

Bolsas de estudos

O presidente da SBPC analisa que o corte nos valores destinados para o pagamento de bolsas do CNPq agrava o quadro que já vinha de dificuldades há anos. “As bolsas de pós-graduação do CNPq estão com valores congelados há sete anos e mesmo com o orçamento (no PLOA 2021) mais ou menos mantido, a redução de 10% nas bolsas vai certamente criar problemas porque estão em valores baixos e seu número já foi reduzido significativamente nos últimos anos.”

Outro problema, aponta Moreira, é o valor muito baixo nos recursos para fomento do CNPq. “No ano passado e neste ano conseguimos recursos adicionais, mas vamos ter que novamente batalhar no Congresso Nacional para haver uma recuperação de recursos para o CNPq, tanto para bolsas, quanto para fomento.”

Outra importante fonte de recursos para bolsas de estudos na área de CT&I é a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Educação. No PLOA 2021, houve uma redução de um terço do total (R$ 1,9 bilhão), que pode vir a ser recuperado uma vez aprovada a proposta de crédito suplementar. Moreira aponta, porém, que ao abrir as contas, observa-se que, se as bolsas para o ensino superior subiram 2,53%, as voltadas para o ensino básico caíram 29%.

“No caso da Capes, o decréscimo significativo para bolsas de educação básica é uma questão preocupante, porque existem programas de educação importantes, como o PIBID, pelos quais a Capes é responsável”, comentou.

Próximos passos

Ildeu Moreira disse que a direção da SBPC está discutindo e programando com as demais sociedades científicas e entidades da área da CT&I uma atuação intensa junto ao Congresso Nacional para tentar recuperar o orçamento do setor para o ano que vem.

Uma prioridade neste momento é a aprovação, pela Câmara, do PLP 135/2020, que garante que os recursos do FNDCT não sejam colocados em Reserva de Contingência e apropriados para outros fins. Outro ponto é a garantia de recursos para bolsas de estudos e para fomento à pesquisa em áreas que sofreram fortes restrições, em especial CNPq, Capes, Embrapa, Inpe e outras unidades de pesquisa do MCTI. “Queremos ver também se é possível mudar pelo menos uma parte do que está dependente da quebra da regra de ouro para recursos garantidos”, afirmou. Uma alternativa aqui seria o deslocamento de recursos de outras áreas, uma negociação que ele considera nada trivial.

Moreira espera que as conversas e discussões com as comissões e com os parlamentares sejam iniciadas logo que for definida a composição da Comissão Mista de Orçamento. “É importante que toda a comunidade se mobilize, porque se a situação já é bem ruim, pode ficar pior se não estivermos juntos, lutando para modificar este quadro.”

 

Por Jornal da Ciência

Jornal Imprensa Sindical

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