Economia

Gás de cozinha por R$40 e gasolina a R$4: petroleiro afirma que é possível; saiba como

Principal motivo dos preços altos é a paridade internacional, adotada em 2016 e que pode ser mudada pelo presidente

Todos os brasileiros vão ao supermercado ou que possuem um automóvel têm percebido os seguidos aumentos de preços, tanto dos alimentos como do combustível. Isso num momento de crise econômica e social, desemprego elevado e volta da fome. Nesta matéria focamos no aumento do preço dos combustíveis, buscando entender suas causas, as consequências e o que fazer para reverter esse quadro.

No Recife o preço médio do litro de gasolina está em torno de R$ 6,20 e o diesel por R$ 4,60 o litro. Só este ano a gasolina teve seu preço elevado em 31,2%, enquanto o diesel subiu 28%. A capital pernambucana tem uma grande quantidade de postos de combustível, o que eleva a concorrência e faz o preço baixar. Mas ainda assim os preços estão pesando muito no bolso da população.

Há muita confusão sobre quem seria o culpado pelos aumentos, com muita gente culpando os governos estaduais por uma suposta cobrança elevada do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços de transporte (ICMS), que corresponde a 27,6% do preço da gasolina. Os impostos federais são 11,5% do preço, a distribuidora e revendedora de combustível fica com 10,4% e há ainda 16,9% referente ao custo do etanol (no Brasil produzido à base de cana de açúcar) que é misturado à gasolina.

Mas para completar os 100% ainda faltam os 33,6% correspondentes ao serviço da Petrobras, que extrai a maior parte do petróleo produzido no país e é (ou ao menos era) responsável pelo refino. Nesses 33,6% estão inseridos os salários dos trabalhadores da Petrobras, os altos custos da indústria do petróleo, mas essa estrutura não foi ampliada nos últimos anos – ao contrário, tem sido desmontada, para reduzir os custos. Então por que os preços subiram?

Rogério Almeida, trabalhador da Refinaria Abreu e Lima (Petrobras) e coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores Petroleiros de Pernambuco e Paraíba (Sindipetro PE/PB), elenca três fatores principais que afetam o preço do combustível no Brasil: a paridade internacional de preços adotada em 2016, a redução da capacidade das refinarias e um “tabelamento pelo alto” para favorecer as petroleiras estrangeiras. Ele considera que o gás de cozinha poderia estar chegando ao cliente final por R$ 40, o litro da gasolina por no máximo R$ 4,00 e do diesel por no máximo R$ 3,50

Preços com Paridade de Importação (PPI) e a dolarização

Ele explica como funcionava a definição de preços antes de 2016. “Levavam em conta o preço internacional do barril, mas só como parâmetro. A nossa produção era baseada nos nossos custos, em Real, considerando fatores como a inflação e o momento econômico do país. E esses preços eram reavaliados a cada três meses, com reajustes”, diz Rogério Almeida. “Mas desde 2016, logo após o golpe contra a presidenta Dilma [Rousseff], um dos primeiros atos de Michel Temer foi mudar a política de preços da Petrobras”, lembra o trabalhador da refinaria.

O Sindipetro e a Federação Única dos Petroleiros (FUP) consideram que as petroleiras estrangeiras compõem um dos principais grupos de interesse que estimularam o impeachment de 2016, visando conquistar mais espaço no mercado de combustíveis brasileiro. “Desde o golpe o número de importadoras atuando no Brasil cresceu 150%”, destaca o sindicalista, lembrando que uma das primeiras medidas do governo de Michel Temer foi aplicar a política de Preços com Paridade de Importação (PPI). “Isso fez os preços do combustível comercializado no Brasil obrigatoriamente obedecer ao preço internacional do barril, que é cotado em dólar”, diz Almeida.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, busca manter o preço do Dólar elevado; e o presidente Jair Bolsonaro tem poder para mudar a política de preços da Petrobras / Marcelo Camargo/Agência Brasil

Além de passar a obedecer a um preço que não corresponde à realidade de produção nacional, que é muito mais barata, o valor do combustível também passar a ser afetado pela variação cambial. O dólar hoje custa R$5,20 e a desvalorização da moeda brasileira é, em grande medida, intencional por parte do Ministério da Economia. O real desvalorizado beneficia o agronegócio, que não produz alimentos para consumo interno, mas carne e soja para exportação e cana de açúcar para biocombustível. Por outro lado, o dólar alto eleva os preços de alimentos básicos do consumo diário do brasileiro, como pão, óleo e macarrão.

O trabalhador da Petrobras explica que a gigante brasileira extrai 2,6 milhões de barris por dia e suas refinarias têm capacidade (se funcionando com carga total) para refinar diariamente 2,4 milhões (92%), transformando em gás de cozinha, gasolina, diesel e outros derivados. O mercado interno brasileiro consome diariamente cerca de 2 milhões de barris (77% do total). Sobrariam 400 mil barris que não são consumidos no Brasil e poderiam ser exportados, metade sendo refinados aqui mesmo, enquanto a outra metade seriam refinados no exterior. Mas a conta não é tão simples, porque o Brasil produz mais diesel do que precisa, portanto exporta. Enquanto produz menos gás de cozinha (GLP) e gasolina do que consome, então precisa importar.

Mas os custos, explica o coordenador do Sindipetro, são muito mais baixos. “A Petrobras gasta cerca de 10 dólares (US$) para extrair um barril de petróleo, mas no mercado internacional ele está cotado em US$ 72,00”, diz Almeida. “Se a Petrobras extrai por US$ 10, ela poderia vender para a refinaria por US$ 30 ou US$ 40. Já é uma boa margem de lucro. A refinaria, que também é da Petrobras, processava o combustível. Mas com a lei do PPI, a Petrobras é obrigada a vender esse barril por US$ 72 para as refinarias”, completa.

Isso garante uma grande margem de lucro para a petroleira brasileira. Esse lucro não está sendo investido na própria estrutura, já que a empresa está se desfazendo de seus ativos. O lucro está indo para os acionistas da empresa. “Eles estão muito felizes, mas quem está pagando o preço é a população”, resume Rogério Almeida, que tem pouca esperança de uma mudança no atual governo. “Tem que acabar com essa política [de PPI]. Mas Bolsonaro não vai fazer essa mudança, porque ele – assim como Temer – estão ‘amarrados’ a esse acordo político que beneficia as empresas estrangeiras. E o povo brasileiro pagando cada vez mais caro”, lamenta.

Como o Estado brasileiro é acionista majoritário na Petrobras, detentor de 51% das ações da empresa na bolsa, o presidente da República tem poder para interferir na política de preços da petroleira. “O PPI é utilizado por países que não extraem petróleo ou não têm refinarias. Eles precisam comprar de fora, importar, então pagam em dólar. Mas o Brasil não precisa disso. A prioridade tinha que ser abastecer seu país a um custo baixo”, opina Rogério Almeida.

Diesel

Já no preço do diesel, 52,4% são dos custos da Petrobras, enquanto o imposto estadual (ICMS) corresponde a 15,9%, os impostos federais são 6,9%, a distribuidora e revendedora fica com 13,4% e outros 11,2% são do biodiesel misturado ao óleo. O custo de produção da Petrobras não é maior, mas o percentual correspondente à empresa é maior apenas porque as outras fatias são menores.

Ele conta que a o custo da Petrobras para produzir diesel é de R$ 0,90 por litro. “Digamos que ela peça um lucro de 50% (R$ 0,45), o preço de repasse na refinaria seria de R$ 1,35. Esse é o custo da Petrobras, que corresponde a 52%, então o preço total do diesel para o cliente poderia ser abaixo de R$ 2,70. Mas o diesel está por R$ 4,60. Por quê? Porque em vez de sair da refinaria por R$ 1,35, ele está saindo a R$ 2,15, por causa do PPI”, destaca ele.

Apesar dos lucros elevados, a Petrobras não tem investido em ampliar sua estrutura – ao contrário, tem sofrido desmonte / Geraldo Falcão/Agência Brasil

As refinarias

As refinarias nacionais, se funcionando com sua capacidade total, poderia transformar 2,4 milhões de barris em derivados de petróleo. Mas, segundo o trabalhador da Refinaria Abreu e Lima, nos últimos anos o Governo Federal reduziu a carga das refinarias, que estão funcionando com 70% ou 75% de sua capacidade. “Fazem isso para alegar que temos pouco combustível e assim abrir uma grande fatia de mercado para as importadoras estrangeiras”, diz Almeida.

A venda das refinarias também é apontada um problema. O processo de privatização já teve início nas refinarias do Amazonas e da Bahia, mas a Refinaria Abreu e Lima, em Suape (PE), também está na mira. “Se venderem a Abreu e Lima, o mercado de combustíveis do Nordeste vai ficar dependente do preço do mercado privado. Mesmo que volte um governo progressista, que mude a política de preços, a gasolina pode até baixar onde as refinarias são da Petrobras, mas na região Nordeste os preços serão estabelecidos pelo mercado privado”, alerta o petroleiro.

Ele cita ainda a privatização já concretizada da BR Distribuidora. “Antes a Petrobras poderia reduzir a margem de lucro da distribuidora, para não pesar no bolso do consumidor. Mas agora a BR Distribuidora não pertence mais a Petrobras. A prioridade é sempre ter maior lucro. A Liquigás, distribuidora de gás de cozinha, também foi privatizada”, destaca.

“Tabelamento pelo alto”

As importadoras, ao trazerem combustível do exterior, pagam impostos de importação, taxa portuária, seguros etc. “A soma dessas taxas corresponde a R$0,25 por litro de gasolina. Mas a Petrobras, que não está importando, também está sendo obrigada a embutir esses R$0,25 no preço dela. É um tabelamento pelo alto”, reclama. Ao embutir o preço, a Petrobras passa a comercializar o combustível no mesmo valor que as concorrentes, quando poderia vender mais barato.

O sindicalista aponta que o preço sobe fácil, mas não desce tão rápido. “Se o preço internacional do barril subir, a gasolina sobe. Se o dólar subir, a gasolina sobe. Se subir a taxa de importação ou a portuária, a gasolina sobe também. Mas quando baixa o dólar ou o barril internacional, demora para se refletir na bomba de gasolina, porque o posto comprou a gasolina semanas atrás, pelo preço alto, não vai poder baixar o preço de imediato”, explica.

Roberto Castello Branco é o atual presidente da Petrobras e é alinhado aos interesses dos acionistas / Marcelo Camargo/Agência Brasil

ICMS, o imposto estadual

Muito tem se falado sobre o imposto estadual que incide sobre o combustível, o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços de transporte (ICMS), correspondente a 27,6% do preço da gasolina e 15,9% do que é pago pelo diesel. “Esse percentual é o mesmo há mais de 10 anos”, avisa o trabalhador da Petrobras. “Isso é uma falácia. O que aumenta é o valor inicial da venda do barril para a refinaria. Quando mexe nesse valor, por tabela aumenta o preço dos impostos, que são percentuais”, diz ele.

A fatia da Petrobras é de 33,6% no caso da gasolina, ou um terço do total. O que significa que o preço do litro vendido pela Petrobras para a refinaria, chegará ao consumidor três vezes mais caro. “Se a gasolina entra na refinaria a R$ 1,00, ela chega na bomba de gasolina para o cliente a R$ 3,00. Isso com os mesmos impostos, taxas, tudo igual a hoje. Hoje a gasolina chega à refinaria a R$ 2,20, mas até o fim do ano pode chegar a R$3,00. Se isso acontecer, vai sair na bomba por R$ 9,00”, alerta Rogério Almeida.

Consequências

O Brasil, apesar das dimensões continentais, décadas atrás fez uma equivocada opção por não mais investir em ferrovias, mas exclusivamente em rodovias, de modo que hoje 75% das mercadorias no país são transportadas por estradas, pelos trabalhadores caminhoneiros. O que significa que o aumento do preço dos combustíveis impacta diretamente nos preços dos produtos nos supermercados.

O petroleiro alerta que a perspectiva é de subida de preços até o fim do ano. “Se preparem porque vai vir um grande aumento no preço do transporte público, além de toda a cadeia de distribuição de alimentos. Afeta tudo o que consumimos. É uma bola de neve”, lamenta. “Isso só vai mudar se atacarmos essa política de preços da Petrobras”, conclui.

Fonte: Brasil de Fato de Pernambuco

Por Vinícius Sobreira

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