Documento exige que crime seja denunciado à polícia e laudo que confirme idade gestacional compatível com data “alegada” da violência, tratando vítima como suspeita de mentir
Como resposta ao caso a menina de 10 anos que interrompeu a gestação após ser violentada, em mais um capítulo da guerra do governo Bolsonaro contra o aborto, o Ministério da Saúde publicou nesta sexta-feira (28) a Portaria 2.282, para dificultar o procedimento quando a gestação for resultado de estupro.
O documento exige que a equipe médica que acolhe a vítima da violência sexual denuncie o crime à polícia. Até então, não havia essa exigência, mesmo porque a vítima tem o direito de não denunciar o estupro.
Ele também exige que a gestante relate a dois integrantes da equipe como e onde ocorreu a violência. Ela deverá identificar o agressor quando ele for conhecido. E, ao final, assinar um termo de relato circunstanciado com esses dados.
A portaria ainda trata a vítima de violência sexual como uma suspeita de mentir. Um dos artigos requer que a equipe faça laudo sobre a idade gestacional do feto, para saber se bate com a da “alegada violência”. Outro prevê que a gestante assine termo de responsabilidade em que se adverte que pode ser acusada de falsidade ideológica e aborto se não tiver de fato sido vítima de estupro.
Há mais um documento que faz parte do processo, a partir de agora: um termo que a gestante ou seu responsável legal deve assinar com “declaração expressa sobre a decisão voluntária e consciente de interromper a gravidez”. Ah, sim, a portaria prevê que todos esses documentos serão confidenciais e sigilosos, mas deverão ser arquivados.
Depois dessa maratona toda, os médicos ainda devem oferecer exame de ultrassom para que ela veja o feto ou embrião –aqui, a portaria dá à gestante o direito de recusar. Além disso, devem explicar à gestante todos os riscos envolvidos no procedimento.
O ministério justifica a nova portaria como necessária para “garantir aos profissionais de saúde envolvidos” no procedimento a “segurança jurídica” para realizarem o aborto. E, para isso, coloca todos os passos que dificultam sua realização e menospreza os traumas da vítima de estupro, tratando-a como uma mentirosa em potencial.
Judicialização da portaria
Em seu Twitter, a antropóloga Débora Diniz denunciou o documento, chamando-o de “portaria perversa”. “Aborto sempre foi uma questão central ao fanatismo bolsonarista. A resposta à menina de dez anos que abortou veio hoje no formato de uma portaria perversa. Revoga portaria de aborto legal e confunde profissionais de saúde com profissionais de segurança pública”, diz Débora.
“Exige que médicos informem a polícia se uma mulher for vítima de estupro. Uma grave violação de confidencialidade. Esta tem que ser uma decisão de cada mulher: ela chega a um hospital para ser cuidada e não para ser investigada. “A portaria impõe medidas de maus tratos às mulheres e meninas estupradas. Uma delas é o uso de tecnologia médica para assustá-las: a oferta de visualizar o embrião ou feto não é para cuidar da vítima, mas para ideologizar o aborto. Mais importante: entre os documentos exigidos da vítima está um relatório sobre o agressor. As perguntas não são médicas, mas investigativas. É um relatório que revitimiza a mulher ou a menina”. A antropóloga termina a publicação dizendo que “é urgente a judicialização da portaria 2.282 do Ministério da Saúde”.
Segundo ela, há uma lei de 2019 que prevê profissionais de saúde informarem a polícia em caso de violência contra mulher. A portaria regulamenta esta lei e revisa a política anterior.
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