Previsão é de que Ministério da Educação tenha queda nos recursos – justamente no ano em que o impacto da pandemia exigirá adequações nas escolas – e Defesa ganhe reforço no caixa.
A notícia da previsão de corte de R$ 4,2 bilhões na Educação no ano que vem chega no momento em que as escolas públicas brasileiras terão que gastar mais para manter a higiene das salas com o retorno das aulas presenciais. Educadores criticaram a redução no orçamento enquanto o Ministério da Defesa deverá ter à disposição R$ 5,8 bilhões a mais para despesas e investimentos em 2021.
Além do enxugamento dos recursos federais, as escolas sentirão os efeitos da provável queda de arrecadação em impostos municipais e estaduais por causa da crise econômica. A estimativa é de R$ 59 bilhões a menos vindos dos tributos para a educação, de acordo com dois estudos dos institutos Unibanco e Todos pela Educação.
Veja a seguir quais ações e programas educacionais poderiam ser realizados com os R$ 4,2 bilhões que estão previstos para sair do caixa do Ministério da Educação e com os R$ 5,8 bilhões extras que estão programados para reforçar a área militar.
O Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), por exemplo, repassa R$ 900 milhões para 138 mil escolas da rede pública comprarem álcool em gel, sabonete líquido, toalhas de papel e outros produtos de higiene. Essa quantia equivale a:
- 21% dos R$ 4,2 bilhões que deve deixar o MEC em 2021
- 15% dos R$ 5,8 bilhões programados para reforçar as finanças militares no ano que vem
A presidente do FNDE, órgão do governo federal que executa a maioria dos programas de educação básica, disse que as escolas deveriam ter atenção redobrada. “Especialmente em um momento de pandemia”, afirmou, em maio, Karine Santos.
Quatro a cada dez escolas do Brasil não têm estrutura para lavagem de mãos dos alunos, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Unicef, órgão das Nações Unidas para a infância.
Outra necessidade em face da interrupção que se prolonga é oferecer aulas remotas aos 45,3 milhões estudantes da rede pública. O presidente Jair Bolsonaro ainda vetou a ajuda federal para promover o ensino remoto nas redes públicas.
Merenda
A ampliação de recursos nesta área poderia melhorar a qualidade da alimentação ou ampliar o acesso de estudantes ao benefício.
A merenda das escolas é garantida por meio de repasses do governo federal direto para estados e municípios por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Atualmente, 40 milhões de estudantes são beneficiados por este programa, todos os dias.
O recurso que o governo federal prevê cortar do MEC poderia pagar por um ano este programa. Já o recurso que vai para a Defesa pagaria o Pnae por um ano e meio, ou poderia ampliar o acesso para 60 milhões de pessoas.
Na quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro também vetou a autorização para que recursos financeiros recebidos para aquisição de merenda escolar fossem transferidos para pais e responsáveis dos estudantes durante a pandemia.
O Congresso havia proposto que, além da distribuição dos produtos, parte da verba direcionada aos municípios, estados e escolas federais para comprarem alimentos aos alunos deveria ser repassada aos familiares devido à suspensão das aulas presenciais e ao fechamento das escolas.
Creche
O corte no orçamento do MEC representa quase tudo o que foi investido no programa Pro-Infância, para construir creches entre 2011 e 2019, segundo Gregório Grisa, doutor em educação e professor de política e orçamento educacional no Instituto Federal do Rio Grande do Sul. Foram R$ 4,7 bilhões utilizados nesse período.
Até o ano passado, mais de mil obras de creches e pré-escolas estavam paradas em todo o Brasil. O investimento do governo federal em creches e pré-escolas havia atingido o patamar mais baixo em 10 anos.
“Haveria um potencial significativo de ampliar as vagas em creches. Daria para fazer um grande programa de fomento que não precisaria ser executado só em 2021”, afirma ele.
Transporte escolar
O Programa de Transporte Escolar (Pnate) atende atualmente 4,2 milhões de alunos, e paga combustível, manutenção de ônibus e barcos, troca de pneus, entre outros. O volume de recursos que poderá ser cortado do MEC poderia ampliar os alunos atendidos para 25,2 milhões.
Caso o aporte que irá para a Defesa fosse investido neste programa, o volume representaria oito vezes o que foi aplicado em 2020, e poderia beneficiar 33,6 milhões de estudantes dos 45,3 milhões no país.
Livros
Os R$ 4,2 bilhões em recursos que poderão ser retirados da Educação poderiam ampliar o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de acordo com uma projeção feita pelo Instituto Unibanco a pedido do G1. Atualmente, ele atende 32 milhões de alunos. O volume de recursos teria condições de pagar três vezes esse programa.
O PNLD banca livros didáticos e materiais de apoio ao ensino, como obras pedagógicas, softwares e jogos educacionais, materiais de reforço, de formação e aqueles destinados à gestão escolar, entre outros.
“[O corte] Expressa uma visão de precarização da sociedade, que irá se refletir no mercado de trabalho, porque investir em educação é investir a longo prazo”, afirma Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco e ex-secretário nacional de Educação Continuada do MEC.
“Chegar ao entendimento de que a Defesa vale mais que a Educação, em um país sem conflitos externos como o Brasil, é uma visão que vai na contramão dos países democráticos. A maioria já está consciente de que o desafio é investir na sociedade do conhecimento, e isso se faz com educação”, analisa.
Se comparado com os R$ 5,8 bilhões a mais que poderão ser destinados à Defesa, seria possível pagar quatro vezes o Programa Nacional do Livro Didático.
“O MEC poderia criar uma linha de financiamento emergencial com vistas ao retorno, cumprimento de protocolos sanitários, retorno híbrido, ensino remoto, inclusão digital, haja vista a queda de arrecadação que vai ocorrer”, afirma Gregório Grisa.
“A educação tem sido objeto sistemático de redução de recursos”, declara Gregório Grisa. O cenário se agrava porque o orçamento é uma previsão do que o ministério poderá gastar (ou executar), mas os recursos podem ser congelados (contingenciados), caso a economia vá mal, como ocorreu no ano passado com as universidades.
“Isso é um caos no orçamento, porque você não sabe o que poderá executar”, explica.
Incentivo à qualidade de ensino
Outra proposta de investimento, segundo Grisa, seria criar uma linha de financiamento para incentivar a qualidade do ensino
“O MEC poderia criar programas de indução de qualidade, com foco em resultado de aprendizagem, o que hoje não tem”, analisa.
Uma proposta que poderá elevar a qualidade do ensino está em tramitação no Senado. A votação, prevista para quinta-feira (20), foi adiada e deverá voltar à pauta do Senado na próxima terça (25).
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Fundeb, que destina recursos para a educação básica, prevê a inclusão do conceito “custo aluno qualidade” (CAQ), que pretende criar parâmetros para as escolas terem infraestrutura adequada e número de professores e alunos de acordo com o projeto pedagógico.
O que diz o MEC
O ministério declarou que a previsão de cortes foi feita “em razão da crise econômica em consequência da pandemia do novo coronavírus, a Administração Pública terá que lidar com uma redução no orçamento para 2021, o que exigirá um esforço adicional na otimização dos recursos públicos e na priorização das despesas”.
Por Elida Oliveira, G1
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