Política

Em pleno auge, cinema brasileiro teme os efeitos da “guerra cultural” de Bolsonaro

A atriz Regina Duarte, nova secretária de Cultura do Brasil, e o presidente, Jair Bolsonaro, posam após a nomeação da primeira no palácio do Planalto, em Brasília. Foto:Brazilian Presidency/AFP / Marcos CORREA

Prêmios em Cannes, indicações ao Oscar e à Berlinale: o cinema brasileiro vive um ciclo de esplendor, mas teme um retrocesso pela perda de apoio público sob o governo ultraconservador de Jair Bolsonaro.

Diretores, produtores e profissionais do setor afirmam que a política cultural atual é ideológica e ameaça uma indústria que é uma das faces visíveis do país e mantém cerca de 300.000 empregos.

“Artisticamente é um momento de florescimento. Temos filmes comerciais brasileiros dando muito certo comercialmente e filmes brasileiros de caráter mais autoral dando muito certo em festivais também”, afirmou à AFP Caetano Gotardo, co-diretor do longa-metragem Todos os Mortos, co-produzido com a França e em competição na seleção oficial do próximo Festival de Berlim, no final de fevereiro.

“Mas a gente vive um momento de bastante dúvida sobre a continuidade dessa produção”, alerta Gotardo.

Seu filme, que retrata a relação entre uma família branca e uma negra no Brasil no final do século XIX, após a abolição da escravidão, conseguiu escapar a tempo do período de turbulências que enfrentam muitas produções ainda em andamento.

O mesmo aconteceu com “A vida invisível de Euridice Gusmão”, de Karim Ainouz, vencedor do prêmio Un Certain Regard no último festival de Cannes, e com “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho, vencedor do Prêmio do Júri e que foi um sucesso de bilheteria nos cinemas brasileiros.

– “Falta de ação” –

O produtor de cinema brasileiro Luiz Carlos Barreto fala durante entrevista à AFP no Rio de Janeiro. Foto:AFP / MAURO PIMENTELO


Nenhuma dessas vitórias foi comemorada por Bolsonaro, envolvido junto a seus ministros em uma “guerra cultural” contra o que consideram “arte de esquerda”.

As mudanças começaram com a extinção do Ministério da Cultura, convertido em uma secretaria do Ministério do Turismo, e continuaram com o corte do patrocínio de empresas públicas para atividades culturais, medida que afetou vários festivais de cinema.

Bolsonaro afirmou que “o Estado tem maiores prioridades” do que financiar a cultura e ameaçou fechar a Agência Nacional de Cinema (Ancine) se não pudesse estabelecer um “filtro” de conteúdo ao alocar recursos públicos para incentivar o setor.

O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), administrado pela Ancine e alimentado principalmente por receitas da própria indústria audiovisual, sofrerá em 2020 um corte orçamentário de mais de 40%.

O cinema brasileiro está “freado pelas decisões erradas” e pela “falta de ação” do governo, que é “contra a cultura”, aponta Sara Silveira, produtora de “Todos os mortos”.

Nesta semana, o Ministério da Comunicação da Presidência acusou a diretora Petra Costa de “difamar a imagem do país” com seu documentário “Democracia em Vertigem”, indicado ao Oscar, que conta sob uma perspectiva de esquerda o processo que levou ao poder o presidente ultradireitista.

Bolsonaro, cujo mandato termina em 2022 e pode ser reeleito, havia dito pouco antes que não perderia tempo assistindo essa “porcaria”.

– Momento “perturbador” –

“O momento cultural atual é talvez o mais perturbador que já se tenha vivido no processo cultural brasileiro”, declarou à AFP Luiz Carlos Barreto, um dos maiores produtores do cinema brasileiro, que viveu o auge do Cinema Novo na década de 1960 e negociou com a censura da ditadura militar (1964-1985) a autorização de produções qualificadas “subversivas”.

De acordo com Barreto, de 91 anos, está em curso uma “nova estratégia, um sistema de censura prévia”, no qual não se trata mais de “reprimir um produto [artístico], mas de colocar barreiras para que não sejam produzidos”.

Barreto pensa que o principal problema, agravado pelo governo atual, é que a cultura no Brasil é tratada como um “enfeite” e não como uma indústria valiosa.

“Precisamos lutar e brigar para que a indústria da cultura, o que chamamos de ‘economia criativa’, que engloba muitos outros setores, seja vista de fato como um pilar econômico”, afirmou Ilda Santiago, diretora do Festival de Cinema do Rio, cuja última edição estava prestes a ser cancelada após a redução do patrocínio da estatal Petrobras.

O futuro próximo é, para muitos, uma incógnita.

Após a renúncia do quarto secretário de Cultura – que parafraseou o ministro da propaganda de Hitler em um discurso –, a esperança mais pragmática é de que sua substituta, a atriz Regina Duarte, promova o diálogo com a classe artística e retome os programas que ajudam o setor a avançar.

Apesar de todas as dificuldades, “não vamos parar de produzir [filmes], não vamos parar de fazer o que fazemos”, conclui Ilda Santiago.

 

AFP

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