O estado do Rio de Janeiro vai recuperar o controle das tarefas de Segurança Pública no próximo dia 31, depois de dez meses de uma intervenção federal que reduziu alguns índices de violência, mas provocou um aumento no número de mortos em operações policiais.
“Temos a convicção de que trilhamos um caminho difícil e incerto, mas cumprimos a missão”, declarou nesta quinta-feira (27) o general Walter Souza Braga Netto, interventor federal nomeado em meados de fevereiro.
Esta drástica medida foi tomada pelo presidente Michel Temer, ao considerar que a violência havia sobrecarregado as autoridades fluminenses.
A intervenção chega ao fim em 31 de dezembro, conforme o previsto, coincidindo com o fim dos mandatos dos governos federal e estadual.
Mas o governador eleito, Wilson Witzel, já afirmou que não vai diminuir a pressão sobre os narcotraficantes e que poderia, inclusive, recorrer a atiradores de elite para combatê-los.
Uma política que se alinha à do presidente eleito, Jair Bolsonaro, que prometeu flexibilizar o porte de armas para combater a criminalidade em um país que registrou 63.880 homicídios em 2017.
– Menos homicídios, mais mortos –
De março a novembro, com as Forças Armadas no comando das operações de segurança, o número de homicídios caiu 6% com relação ao mesmo período do ano passado, com reduções significativas nos quatro últimos meses, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP).
Mesmo assim, o número de assassinatos continua assustador: 3.686, contra 3.919 no período de março a dezembro de 2017.
O número de pessoas mortas em operações policiais, ao contrário, subiu 38% (1.185, contra 859).
Somando os dois balanços, o total de mortes violentas nesses nove meses totaliza 4.871, 2% a mais que no mesmo período do ano passado.
O número de policiais mortos, muito deles em latrocínios, foi de 94, contra 134 um ano antes.
– “Gratificação ‘faroeste'” –
“Os interventores estão fazendo muita publicidade a respeito dos números em relação a roubo de carga, alguns crimes contra o patrimônio. Mas no crime contra a vida, que é o crime mais grave, houve reduções de um mês comparado com outro nesses últimos meses, mas o importante é o acumulado. No acumulado não houve redução”, diz a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Cidadania na Universidade Candido Mendes (CESeC).
Se levado em conta desde janeiro, houve 1.444 pessoas mortas por policiais, quase quatro por dia, um recorde desde que o ISP começou a realizar esta estatística, em 1999. Um balanço que deve aumentar, quando forem divulgados os números de dezembro.
“Estamos voltando, em termos de letalidade da ação policial, no patamar dos anos 90, quando havia uma gratificação, chamada gratificação faroeste, que era para estimular a violência. Os prêmios por bravura eram os prêmios para os policiais que matavam mais”, adverte Julita Lemgruber.
A maior parte das vítimas da violência no Rio é de moradores das favelas, onde mora um quarto da população, em condições geralmente insalubres e sob o domínio de quadrilhas de traficantes de drogas ou milícias parapoliciais.
“É inaceitável que a vida esteja tão pouco valorizada quando se trata da vida do morador de favela, do garoto negro, pobre”, que possa estar “envolvido com varejo das drogas”, destaca a socióloga.
Segundo o ISP, 97% das pessoas mortas pela Polícia este ano eram homens, 77% negros ou pardos e 35% jovens de 18 a 29 anos.
“Essa intervenção é mais política do que efetiva, então eu acho que nada mudou”, afirma José Luiz, estilista morador da Rocinha, a maior favela do Rio.
– Drones e franco-atiradores –
O aplicativo Fogo Cruzado, que registra tiroteios no Rio, contabilizou 8.237 desde o início da intervenção até 15 de dezembro contra 5.238 no mesmo período de 2017.
Em 30 de novembro, a Justiça abriu uma investigação por denúncias de torturas supostamente cometidas por militares.
Um informe oficial enumerou 500 denúncias de atos contra os direitos humanos, inclusive várias acusações de violações.
A partir de 1º de janeiro, o governador Witzel assumirá as tarefas de Segurança Pública, sem a tutela dos militares. Mas a pressão deve permanecer.
Entre suas propostas mais polêmicas está o treinamento de atiradores de elite, autorizados a matar pessoas que ostentarem armas de grosso calibre nas favelas.
Ele também estuda o uso de drones fabricados em Israel para abater do alto supostos narcotraficantes.
AFP
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