Internacional

Manifestação histórica no Chile exige uma nova transição política

Mais de um milhão de pessoas foram às ruas de Santiago em 25 de outubro. Foto: AFP / Pedro Ugarte

O Chile fez história com mobilizações pacíficas que excederam um milhão de pessoas, eclipsando as comemorações do dia em que o povo disse “não” à ditadura há três décadas, em uma demonstração de força e convicção para exigir uma sociedade mais justa.

Uma maré de pessoas tomou as principais avenidas de Santiago e, no centro da Plaza Italia, gerou um cartão postal único que deverá marcar várias gerações, mostrando que os chilenos caminham constantemente em busca de mudanças no modelo econômico neoliberal instaurado por Augusto Pinochet e que se consolidou na democracia.

“Todos nós ouvimos a mensagem”, disse o presidente Sebastián Piñera, através de uma mensagem breve, mas conciliatória, em sua conta no Twitter.

O magnata – que governa o Chile pela segunda vez desde março de 2018 – reconheceu a dimensão das marchas em Santiago e em outras cidades do país. “A marcha massiva, alegre e pacífica de hoje, onde os chilenos pedem um Chile mais justo e solidário, abre grandes caminhos para o futuro e a esperança”, afirmou.

Piñera reagiu aos protestos, iniciados nove dias atrás em rejeição ao aumento das passagens do metrô, decretando “estado de emergência”, o que levou militares às ruas e o decreto de sete toques de recolher consecutivos na capital.

Nem os militares, nem o discurso do presidente de direita diminuíram a ebulição dos cidadãos, cansados de viver no país mais estável da região, mas também um dos mais desiguais.

Com as ruas cheias de protestos e mais de 70 estações de metrô danificadas, algumas inutilizáveis, Piñera adotou um tom conciliatório e lançou uma bateria de medidas que incluem mudanças no criticado sistema de previdência privada, lançado durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), prometendo um aumento de 20% para as pensões mais baixas.

Mas as manifestações continuaram.

– “Segunda transição”

“Unidos pela mesma causa”, resumiu à AFP Betzabé Segovia, trabalhadora de 28 anos que participou em Santiago na colossal manifestação.

Sem um líder, ou guias políticos, os chilenos – organizados em redes sociais – pedem uma mudança para combater as iniquidades de um país que se destaca por sua estabilidade e uma renda per capita superior a US$ 20.000, a maior da região.

A mobilização “desafia os líderes políticos a promover profundas mudanças no modelo de desenvolvimento capitalista. Uma espécie de segunda transição”, comentou à AFP Marcelo Mella, analista político da Universidade de Santiago.

Mella se referiu à transição que deixou para trás a ditadura, que matou cerca de 3.200 pessoas e torturou cerca de 38.000, e iniciou o caminho democrático em 1990, graças a um plebiscito de 1988 em que o povo chileno disse “não” para prolongar o regime militar.

Mas 29 anos de governos democráticos não foram suficientes para mudar um sistema econômico que gerou grande desigualdade.

Esse descontentamento social após décadas de estabilidade “constitui a irrupção de um sujeito político sem filiação partidária que exige que a democracia seja expressa não apenas em procedimentos, mas também em resultados. Ou seja, uma sociedade menos desigual e com direitos mais fortes”, disse o analista.

Neste sábado, a tarefa em Santiago será limpar os destroços de incidentes isolados.

Em Genebra, a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, anunciou o envio de “uma missão de verificação para examinar” a situação, depois de denúncias sobre a ação de militares e policiais.

No mesmo sentido, a Anistia Internacional disse que “o mundo tem os olhos no Chile” e anunciou o envio de uma missão ao país.

AFP

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