Brasil

Pirarucu da Amazônia seduz chefs de restaurantes do Rio de Janeiro

Foto: Mamiraua Institute of Sustainable Development/AFP / HO

De carne branca, macia e muito saborosa, o pirarucu (Arapaima gigas), peixe gigante da Amazônia que pode chegar a 3 metros e 200 kg, é servido numa moqueca pelo chef Marcelo Barcellos em seu restaurante no Rio de Janeiro.

Este peixe de cabeça achatada, cauda vermelha e corpo escamoso, esteve perto da extinção, mas graças a esforços conjuntos de implementação de um sistema de manejo sustentável, voltou a ser abundante e agora é o ingrediente principal de pratos em restaurantes comandados por chefs renomados.

Barcellos destaca a versatilidade do peixe, que pode ser preparado de diversas maneiras em função de sua carne resistente à temperatura e sabor delicado, parecido com o de peixes nobres de água salgada, como cherne ou badejo.

Acompanhada de farofa com farinha d’água, feita de mandioca brava, e castanhas, ingredientes típicos da Amazônia, a moqueca é uma festa para o paladar e os olhos, com as cores verde das ervas frescas (cheiro verde, endro e coentro) e amarela da farofa.

O projeto Gosto da Amazônia levou recentemente nove chefs para conhecer o manejo realizado por uma tribo da etnia Paumari, na região do Médio Purus, do rio Tapauá, estado do Amazonas.

Para o francês Frederic Monnier, é importante expandir a venda do pirarucu para beneficiar os indígenas e ribeirinhos, que vivem do manejo e, ao mesmo tempo, preservam o território. “Sem eles, tudo iria morrer”, afirma.

Junto aos indígenas, os chefs identificaram três partes do peixe – lombo, filé e barriga – mais adequadas para trabalhar em seus pratos.

Jéssica Trindade, pupila do renomado Claude Troigrois e chef executiva do Chez Claude, bistrô situado em um bairro nobre do Rio, elogia a iniciativa.

“O que eles fazem pela Amazônia não tem preço e, além disso, é um produto muito bom. De sabor suave, sem o gosto de terra característico dos peixes de água doce”, explica.

“Devemos ter uma preocupação socioambiental, e a visita à reserva me mostrou o quanto ainda estamos longe do ideal”, acrescenta.

O chef carioca Ricardo Lappeyre, do Laguiole Lab, viajou acreditando que iria apenas analisar o peixe de forma técnica e que talvez trouxesse ingredientes diferentes, mas “a experiência acabou sendo muito maior”.

“Voltei tendo noção da importância da floresta e da importância de apoiarmos projetos que a defendem e às populações locais”.

Sobre a qualidade do peixe, garante: “Não se compara ao de piscicultura, é um peixe de excelência”.

“O Brasil é tão grande que não conhecemos muitos de seus ingredientes”, destaca, animado para continuar trabalhando com o pirarucu e outros ingredientes nativos.

– Proteção ambiental –

27 de novembro de 2018, da pesca de um pirarucu (Arapaima gigas) no estado do Amazonas. Foto: Mamiraua Institute of Sustainable Development/AFP / HOImagem fornecida pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, de


“O que me surpreendeu foi o comprometimento dos chefs em entender o serviço que esse produto presta à Amazônia e a necessidade de promover justiça em relação aos manejadores”, afirma Adevaldo Dias, presidente do Memorial Chico Mendes e colaborador da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc), que trabalha no programa de manejo sustentável no médio Juruá.

Para Leonardo Kurihara, coordenador de projeto da Operação Amazônia Nativa (OPAN), que atua junto aos manejadores, “o chef tem a importante responsabilidade de estar na outra ponta da cadeia e apresentar o produto às pessoas”.

O programa Gosto da Amazônia se insere neste contexto, “a abertura de novos mercados para esse produto que se baseia numa produção sustentável, comunitária, e que está associado à proteção ambiental, à autoafirmação étnica e autonomia dos povos tradicionais”, aponta o indigenista Felipe Rossoni, da OPAN.

O sistema de manejo do pirarucu começou a ser implantado há 20 anos e se baseia numa metodologia desenvolvida pelo Instituto Mamirauá de contagem do peixe para estabelecer cotas de pesca, que não ameacem os estoques.

Diferentemente de outros peixes, o pirarucu tem um sistema respiratório complexo, dotado de brânquias e uma bexiga natatória adaptada como pulmão. Suas características fisiológicas o obrigam a subir à superfície a cada 20 minutos para respirar ar atmosférico.

É neste momento de ‘boiada’, como chamam os pescadores, que ele é percebido e capturado. Mas também pode ser contado, uma estratégia importante no plano de manejo.

As regras são rígidas, com cotas restritas a 30% e pesca liberada apenas entre os meses de julho e novembro, fora do período reprodutivo.

Nas reservas Mamirauá e Amanã (a 500 km de Manaus), onde a técnica foi implantada, a pesca sustentável permitiu recuperar a população do peixe, que saltou de 2.507 espécimes em 1999 para 190.523 em 2018.

O manejo também é empregado em 34 áreas no estado do Amazonas, e tem o apoio de organizações da sociedade civil e governamentais.

Segundo levantamento recente da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), o custo de produção de 1 kg de pirarucu de manejo é de R$ 10,83.

No mercado local é vendido, em média, a R$ 4,50 o quilo, enquanto que, por meio da Asproc, os manejadores recebem R$ 7 por quilo.

Devido aos custos com transporte e logística, os restaurantes no Rio desembolsam, em média, R$ 48,00 pelo quilo do pirarucu. Com isto, o preço médio de um prato individual feito com o peixe custa R$ 70,00.

AFP

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