Nem Wall Street nem o mercado imobiliário sofreram os estragos econômicos causados pela pandemia de covid-19. Pelo contrário, precisamente em meio à crise, os mercados financeiros atingiram recordes históricos e os preços das casas dispararam em várias das maiores economias do mundo.
Trata-se de um fenômeno que revela a histórica desigualdade econômica que divide as sociedades e que se tornou ainda mais profunda depois da recessão.
Enquanto algumas famílias que perderam seus empregos enfrentam despejos, outras conseguiram se consolidar e até melhorar sua situação econômica.
Os preços das residências em todo o mundo registraram um aumento médio de 7,3% no primeiro trimestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano anterior.
O ranking é liderado pela Turquia (alta de 32%), seguida pela Nova Zelândia (22,1%) e Luxemburgo (16,6%).
Dos cinco países latino-americanos incluídos no relatório, o Peru lidera o ranking da região com um aumento de 10%, seguido pelo México (6,6%), Brasil (4%), Colômbia (3,2%) e Chile (1,7%).
O Brasil está na 40ª posição no ranking.
“Os preços das moradias estão subindo por causa da pandemia, não apesar dela”, diz Kate Everett-Allen, chefe de Pesquisa Residencial Internacional da Knight Frank, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
Com as profundas mudanças geradas a partir de 2020, explica ela, se gerou uma reavaliação maciça das necessidades de moradia das pessoas. “Esta é uma corrida por espaço. As pessoas estão comprando como loucas.”
A corretora imobiliária venezuelana Mariana Godoy, que mora em Miami (EUA) com o marido e três filhos, está à procura de um novo lar, mas os preços exorbitantes adiaram seus planos.
Com a pandemia, sua casa foi transformada de um momento para outro em um escritório e uma escola ao mesmo tempo.
“O que precisamos é de mais espaço”, diz ela. “O problema é que os preços subiram tanto que agora preferimos esperar um pouco antes de comprar.”
Segundo ela, “como os juros estão muito baixos, as pessoas enlouqueceram comprando e estão dispostas a pagar o que for”.
Existem algumas propriedades em certos bairros de Miami cujo preço depois da pandemia quase dobrou.
Isso não quer dizer que a situação seja semelhante em todos os lugares, mas a tendência de alta é um fato.
Os valores médios das residências nos Estados Unidos aumentaram 13,2%, a taxa de crescimento mais rápida em 15 anos.
Boom nos subúrbios da cidade
Parte importante do aumento do valor das casas, pelo menos nos países mais ricos, está relacionada à busca por mais espaço, e isso explica porque o boom imobiliário está mais concentrado nas regiões mais distantes do centro nas grandes cidades, onde há maior disponibilidade de imóveis mais amplos.
Em outras palavras, quem tem renda elevada se lançou na busca de imóveis que lhe permitisse aproveitar as circunstâncias excepcionais que se criaram nestes tempos de pandemia.
Entre essas condições sem precedentes estão as baixas taxas de juros sobre empréstimos hipotecários e os gigantescos estímulos fiscais que os governos dos países desenvolvidos têm empregado para reativar a economia.
Soma-se a isso uma mudança fundamental: a possibilidade de trabalhar de casa.
E os profissionais que podem fazer home office são precisamente aqueles que tendem a ter uma renda mais alta do que o restante da população.
“As pessoas estão menos vinculadas a escritórios e algumas optaram por se mudar para os subúrbios” das grandes cidades, diz Everett-Allen.
Além disso, vale lembrar que em alguns mercados a demanda por moradias aumentou e, ao mesmo tempo, o número de imóveis disponíveis diminuiu.
Essa combinação elevou ainda mais os preços das moradias.
América Latina
Na América Latina, o aumento de preços é menos generalizado e mais limitado aos compradores mais ricos.
No caso do Peru, porém, as fontes consultadas pela BBC Mundo no mercado local apresentam outros números, situação que talvez pudesse ser explicada pela utilização de diferentes metodologias na forma de abordagem da análise.
“Houve um aumento de 5,3% nos preços das casas nos últimos 12 meses, basicamente sustentado pelas vendas na Lima Moderna”, diz Ricardo Arbulú, presidente do Comitê de Análise de Mercado da Associação de Agências Imobiliárias do Peru (ASEI, na sigla em espanhol), à BBC News Mundo.
Outros especialistas, como Víctor Saldaña, presidente da Associação Peruana de Corretores de Imóveis (ASPAI) ressalva que é muito difícil ter números detalhados sobre a evolução dos preços, porque os valores dos apartamentos e casas são muito diferentes, assim como as variações por bairro.
Em sua visão, “os preços em Lima permaneceram mais ou menos os mesmos”.
No Brasil, pesquisa recente da FipeZap mostrou que, em 2020, o preço médio dos imóveis à venda subiu pela primeira vez desde 2016. A alta foi de 3,67%.
Existe uma bolha?
Mas o aumento dos preços das moradias poderia estar gerando uma bolha imobiliária?
Analistas argumentam que não — eles dizem ser altamente improvável que os preços caiam acentuadamente.
Na visão dos especialistas, pode haver uma estabilização da tendência de alta no futuro à medida que condições de mercado mais semelhantes às que existiam antes do retorno da pandemia retornem, embora, por enquanto, o frenesi da demanda continue forte.
E se o home office ou o modelo de trabalho híbrido se tornarem mais comuns nos setores de renda mais alta, a necessidade de mais espaço pode continuar.
O que aconteceu é que em alguns mercados nos quais os preços dispararam muito, as autoridades tomaram algumas medidas para “esfriá-los”.
Por exemplo, na Nova Zelândia, o governo alterou algumas regras para evitar deduções fiscais que favorecem os investidores e estendeu o período em que os ganhos obtidos com a venda de propriedades são tributados de cinco para dez anos.
O objetivo, dizem as autoridades, é conter a “especulação”. E em países como o Canadá, o presidente do Banco Central (BC) já alertou que há “exuberância excessiva” no mercado imobiliário, que será observado de perto.
A questão é complexa porque muitas vezes, quando os preços sobem de forma inusitada, famílias com menor renda acabam sendo deslocadas para áreas mais periféricas, a chamada “gentrificação”.
Por Cecilia Barría
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