Dagna Aiva cozinha de segunda a sexta em sua própria casa para fornecer comida a cerca de 200 pessoas das milhares que vivem um bairro na periferia sul de Buenos Aires.
Longe das preocupações sobre o valor do dólar que toma conta de muitos argentinos, na Villa 21-24 a prioridade é conseguir alimentos, que para seus moradores é um bem escasso, apesar de viverem em um país que produz comida para 440 milhões de pessoas, o que significa dez vezes mais que sua população atual.
Mulheres com bebês nos braços e crianças brincando ao redor, idosos e deficientes físicos fazem fila diante da casa onde são entregues as quentinhas.
Ninguém fala em dólares nessa comunidade pobre de 60 hectares e onde vivem 60.000 famílias, junto ao poluído rio Riachuelo.
“Não tenho dólares, não me importam os dólares! Há outras necessidades básicas que preciso solucionar já. É preciso priorizar outras coisas, como comer todos os dias”, lamenta Aiva.
A mulher coordena o espaço Casa Usina de Sonhos, da Villa 21-24, que conta também com uma oficina onde são oferecidas atividades criativas e apoio escolar.
– “Pobreza zero” –
“Aqui está cheio de pessoas que trabalham muito, é triste ver que não podemos ter um prato de comida”, afirma a ativista de 48 anos ao lamentar a degradação da situação na comunidade nos últimos danos.
A Argentina é um dos três países latino-americanos, junto com Venezuela e Guatemala, onde a fome mais aumentou em 2018.
A cesta básica, avaliada em 4.200 pesos, custa 57,3% a mais que em julho de 2018, muito superior ao aumento dos salários.
O ex-ministro da Saúde Daniel Gollán denunciou recentemente que cinco milhões de crianças e adolescentes estão em “situação alimentar crítica”, ao falar ante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos Humanos (CIDH).
O presidente liberal Mauricio Macri prometeu alcançar a “pobreza zero”.
Mas a pobreza atingiu 32% da população em 2018, de acordo com o último índice oficial, e o governo admite que, como o desemprego (10,1%), crescerá este ano devido à aceleração da inflação ligada à desvalorização do peso no meio da recessão.
Movimentos sociais, Igreja Católica, organizações sindicais e políticos da oposição exigem que a “emergência alimentar” seja declarada, o que permitiria obter um orçamento maior para esse fim.
– Mais comida –
O governo Macri rejeita a ideia. “Existe uma situação de pobreza, mas isso não significa que haja fome”, disse o ministro da Cultura, Pablo Avelluto.
O presidente argentino se referiu à “raiva” e “dor” geradas pelos dados da pobreza e diz que é claro que ele pode reduzir essa taxa se for reeleito nas eleições de 27 de outubro.
As seis mulheres que colaboram na preparação de alimentos ou na entrega de rações na casa de Dagna recebem um “salário social complementar” do Estado, equivalente a um salário básico (7.500 pesos, US$ 110 na taxa de câmbio atual).
O governo da cidade lhes envia 160 quentinhas e elas tentam transformá-las em 200.
A corrida pelo dólar não chega à cidade, mas alimenta o aumento dos preços.
“Não lido com dinheiro, tenho outras prioridades, mas me preocupo porque a inflação tem muito a ver com o dólar”, diz Paloma Gómez, uma enfermeira de 50 anos.
Em 2018, depois de uma corrida cambial, o governo Macri foi ao Fundo Monetário Internacional para obter ajuda financeira, que concedeu à Argentina um empréstimo de US$ 57,1 bilhões em troca de um programa de forte ajuste fiscal.
O aumento do custo de vida subiu a 25% entre janeiro e julho, e estima-se que chegará a 55% até o fim do ano.
AFP
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